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Roberto Mendes

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É NISSO QUE DÁ ROBERTO MENDES


Roberto Mendes


É NISSO QUE DÁ É NISSO QUE DÁ! Roberto Mendes Primeira edição Edição do Autor 2018


Roberto Mendes


É NISSO QUE DÁ Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução na íntegra ou em parte, através de quaisquer meios. Cópia não autorizada é crime! Cabe ao homem cuidar e proteger a mulher, e jamais agredi-la, de forma física ou moral! Cuide bem do meio ambiente porque ele é também a sua casa! Não jogue lixo nas vias públicas! Não desmate! Não faça queimadas! Não desperdice água! Plante árvores! O verde é vida! Não experimente droga alguma! Oriente-se! Cuidado! Roberto Mendes


Roberto Mendes Roberto Mendes E-mail: [email protected] Facebook: Roberto Mendes É NISSO QUE DÁ! ______________________________________________________________ Copyright © 2018 É nisso que dá! Literatura brasileira Mendes, Roberto ISBN: 978-85-910492-2-6 ______________________________________________________________ Correção e revisão literária: Maria Conceição Alves de Lima Capa/Arranjos: André L. L. do Nascimento [email protected] Ilustrações: Jhonny Wilcar Bozo da Silva [email protected] ______________________________________________________________ Obras do Autor: A Casa Misteriosa A Famosa Cigarra A Famosa Cigarra II A Famosa Cigarra desenhos para colorir A Famosa Cigarra diálogos ilustrados A Outra Face de Júlia A minha fazenda para colorir Depois do Amanhecer É nisso que da O Sonho de Pedro Nani Poesias para se ler em sala de aula Vovó Quer Mais!


É NISSO QUE DÁ 7 PREFÁCIO “É Nisso que Dá” é um livro instigante e desafiador, com uma narrativa estimulante, trazendo em seu conteúdo situações e questões delicadas do cotidiano, assim como verdades e fatos dos dramas que ocorrem em meio à sociedade. Trata-se da história de Antônio Masse, onde você vai se deparar com uma boa dose de suspense e aventuras! A narrativa gira em torno de um adolescente problemático, que se envolve com uma gangue. Assim que começou a usar drogas, perdeu o interesse pelas aulas, meteu-se em inúmeras confusões com seus colegas de classe, sendo que também as discussões com sua mãe passam a fazer parte da sua rotina. A essa altura, sua vida torna-se um caos. Mas, dentro desse contexto conflitante em que Antônio vive, ele conhece uma garota, Adriana Gazolle, por quem se apaixona. Esse fato foi determinante para despertar-lhe uma mudança de hábito, fazendo-o tomar atitudes nobres. Seu amor pela garota e a dedicação de sua mãe, juntamente com a de seus professores, contribuíram decisivamente para uma corrente positiva que abriu um novo horizonte em sua vida. Daiane Galvão


8 Roberto Mendes


É NISSO QUE DÁ 9 CAPÍTULO 1 “Há sempre um motivo pra sonhar...” Ouvi isso uma vez, em uma aula de Língua Portuguesa; mas, nunca levei muito a sério! Entretanto, naquele momento, essa afirmativa batia exatamente com os meus pensamentos em relação a Adriana. Como eu estava começando a olhar as garotas já com outros olhos, eu passei, então, a observá-la com mais atenção. E não é que eu comecei a gostar mesmo daquela menina?!... Mas, nem tudo na vida é feito de rosas.... Numa ensolarada quarta-feira, lembro-me como se fosse hoje, vi e ouvi pássaros. Helena, uma amiga de muitas datas, por algum motivo que não sei qual foi, não veio em sua companhia para a escola. Então vi que era a minha oportunidade de ter um pouco de tempo a sós com ela. Quando saímos da sala, eu corri à frente de todos e fui esperar por ela lá na esquina da próxima rua, como uma mãe espera por um filho. Fiquei disfarçando enquanto admirava a paisagem de uma linda praça logo ali a minha frente. Quando ela se aproximou, com uma coragem que não sei de onde veio, ousei: — Oi, Adriana! — Oi! — Tudo bem? — Sim! — respondeu, sem parar de caminhar. Então, eu a segui. — O que fazia aqui parado? — quis saber ela. — Estava olhando a beleza das árvores da praça e vi que você estava vindo; então, eu resolvi te esperar para irmos juntos! — disse eu, tentando ficar o mais próximo dela possível! Confesso que tive vontade de segurar-lhe a mão. — Por que você não veio à escola ontem? — quis saber ela. — Eu não estava passando bem, por isso não deu para eu vir, entende?


10 Roberto Mendes — Engraçado, você sempre tem uma desculpa, quero ver até quando vai viver de desculpas! — emendou Adriana. Ao ouvir aquelas palavras, senti um calor enorme em meu corpo e, num efeito colateral, minhas orelhas pareciam estar pegando fogo. Acho que foi de vergonha e nervosismo, ao mesmo tempo. “É agora ou nunca”, pensei. E sem fazer mais rodeios, fui logo ao assunto: — Adriana, eu quero lhe dizer uma coisa! — O que é, menino?! — Eu gosto muito de você! Quer ficar comigo? — Hum! Nem pense nisso, eu não gosto de garotos que não são dedicados aos estudos — disse ela. — Você é carta fora do baralho! Quando ela falou aquilo, senti que todo o peso do mundo desabava sobre mim. Parece que me deu uma tontura, minhas vistas se turvaram e eu fiquei inerte ali mesmo, parado, enquanto via a silhueta dela se distanciando pouco a pouco. Fiquei tão desorientado que peguei outro caminho e nem eu mesmo sei como cheguei em casa. Joguei meus cadernos em cima de uma cômoda velha que havia ao lado da minha cama, e me joguei na cama, acabado, com lágrimas nos olhos e estepes no coração. Após longa insistência, ouvi uma voz distante: — Antônio, vem almoçar! Fiquei calado, não respondi e nem me mexi na cama. A minha cabeça estava a mil. Confesso que naquele momento a única coisa que queria era um espaço vago e distante, onde ninguém pudesse me ver. Mas, a insistência de minha mãe me fez sair de meu mundinho, mesmo que por alguns minutos: — Por favor, me deixe quieto! Não quero comer nada e nem ouvir nada! — O que você andou aprontado desta vez, menino? — quis saber ela. — Você foi expulso outra vez da escola ou brigou com seus colegas? Vê lá, hein?! Você já perdeu um ano letivo por causa dessas suas desobediências... E este ano, você está indo no mesmo caminho... O que você vai ser no futuro, se continuar assim...?


É NISSO QUE DÁ 11 Em minha cabeça, rondavam mil pensamentos... “Só me faltava essa, já levei o maior fora e tenho que aturar ainda mais essa bronca. Certamente que eu mereço isso tudo!...” Minha mãe acrescentou mais umas coisas que eu não entendi direito e nem fiz questão de entender. Eu fiquei ali me consumindo aos poucos, com todo o meu sentimento e o meu orgulho ferido. A essa altura da vida, essa havia sido a pior derrota que eu já havia sofrido. Nem mesmo o ano letivo que desperdicei (por falta de estudar como era devido) havia doído tanto em mim, como ouvir o “não” daquela menina tão bonita! Acho que era a minha primeira paixão e já tinha me dado muito mal, só eu sabia a dor que estava sentindo. Ora eu tinha vontade de me interessar com afinco nos estudos para conquistar a atenção daquela menina, ora sentia vontade de abandonar logo de uma vez por todas a escola. Pensamentos confusos enchiamme a cabeça e me enlouqueciam demais! Até então, eu não sabia que viver era tão difícil assim. Eu estava com treze anos e já sentia na pele os efeitos dos tais problemas que eu ouvia certos adultos mencionarem. Eu já havia ouvido pessoas falarem de paixão mal-resolvida; mas, eu não havia dado a mínima importância e agora estava pagando o preço de uma paixão não correspondida. Só sei dizer que aquela foi a pior tarde da minha vida e que nunca iria esquecê-la, mesmo que vivesse mil anos. Não comi nem bebi, não brinquei, não fiz nenhuma traquinagem e ainda dormi muito mal. Não tive ânimo para nada e nada fiz de útil. Não sabia como lidar com meus pensamentos confusos e não tive a mínima condição de fazer as tarefas da escola que trouxera para casa. Eu estava totalmente fracassado e me sentindo menos que nada depois daquela conversa sem sucesso que tive com a Adriana. No dia seguinte, levantei ainda meio zonzo, como se eu tivesse tomado um porre no dia anterior e, como sempre, não fui para a escola, alegando estar com dor de cabeça e sem condições de estudar. Então tive que ouvir outra vez a bronca da minha mãe: — Não sei mais o que fazer com você! Já tentei de tudo e não consigo te convencer de que o melhor caminho para você é


12 Roberto Mendes se formar nos estudos, para ser alguém importante no futuro. Porque você é tão teimoso assim Antônio? Você acha que eu, como sua mãe, não sei o que estou falando e o porquê de todo o meu esforço para te manter na escola? Até tenho deixado de comprar roupas para mim para custear as suas, tudo isso para você possa ir para escola bem vestido... Mas você não está retribuindo em nada o meu esforço!... Tudo o que eu quero é que você se forme em seus estudos e se torne um cidadão de bem!... Ouvi calado. Às vezes, eu sentia um pouco de dó dela, quando ouvia aquelas coisas e outras mais. Mas, mas no fundo, no fundo eu não dava a mínima! O meu negócio era só brincar na rua e passear com os amigos, tomar banho no córrego Barranco Alto, jogar bolinha de gude... Eu tinha a minha galera e com a gente ninguém podia! De vez em quando, a gente se encontrava com a galera do outro bairro; aí, então, o pau comia mesmo! Depois que a gente fumava uns baseados, a coragem era tanta que, às vezes, enfrentávamos até os garotos mais velhos que nós! De certa forma eu tinha lá um certo orgulho da minha turma: Zeca, Maneco, Mundinho, Joaquim, Alberto, Bernardo, Marcelo e o “Carlão Damasceno”, o nosso líder. De todos eles, este era a nossa inspiração! Carlão estava prestes a fazer seus quinze anos e já vivia aprontando nas ruas desde os onze. Ele sabia de muitas coisas que rolavam nos bastidores do mundo, tudo o que se possa imaginar em se tratando de malandragem. A gente se sentia muito bem na companhia dele e, até de certo modo, até protegidos, ainda mais agora, que ele conseguiu arrumar um “três-oitão” 1 . Nesse caso, se a gente não pudesse vencer a briga na força, o trabuco falaria mais alto. Carlão já havia enfrentado, em tiroteios, bandidos sanguinários bem mais velhos que ele e sempre saía vencedor. Por isso, ele era respeitado por todas as outras gangues da cidade. Por várias vezes, ele já havia sido recolhido pela polícia; entretanto, por ser ainda menor de idade, não podia ficar preso. Uma ou duas vezes foi levado para uma daquelas instituições do governo destinada a recuperar a molecada delinquente, mas 1 Na gíria brasileira, revólver de calibre 38.


É NISSO QUE DÁ 13 conseguiu fugir de lá e agora se encontrava de novo nas ruas, com seu time em campo, do qual, aliás, eu também era um dos integrantes. Devido a esse meu envolvimento com os meus colegas de rua, eu havia perdido o ano letivo e deixado minha mãe desesperada. Agora já era para eu estar estudando o sexto ano; entretanto, continuava ainda no quinto e com uma forte expectativa de repetir novamente o ano escolar. Ao que tudo indicava, eu ia chegar aos meus quatorze anos ainda no quinto ano! Às vezes, eu pensava no sofrimento da minha mãe. Ela era sozinha e ganhava a vida ora como diarista em casas de família, ora lavando roupas para uns homens que viviam alojados e que trabalhavam nessas firmas que prestam serviços temporários na cidade e depois vão-se embora. Meu pai havia saído de casa com outra mulher e tinha ido embora para bem longe, tanto que eu não o via e nem sabia por onde ele andava. Minha mãe vivia desiludida da vida e sua única esperança era eu. O que dizer então, se eu estava nessa vida?... Que esperança eu daria para ela, vivendo assim e sempre fugindo das minhas responsabilidades, que na verdade era unicamente estudar?... Na hora do almoço, minha mãe me falou: — Hoje eu não tive dinheiro para comprar um pedaço de carne pra gente, mas ainda tem três ovos na geladeira; se quiser, eu preparo para você comer como mistura! — Sabe, acho um absurdo ter que comer ovo, enquanto tem tanta gente que come o que quer. Não vou comer essa gororoba, não. Ser honesto serve pra isso? — retruquei com azedume. — Meu filho, não seja tão orgulhoso a esse ponto, coma o que tem para se comer. O importante é matar a fome. Assim que eu receber o dinheiro das roupas que eu vou entregar hoje, eu compro carne pra nós, certo? Pense sempre que amanhã será bem melhor e assim será sucessivamente! Esse deve ser o seu pensamento positivo para todos os seus dias! Não reclame da sorte atual e lute para que amanhã ela seja bem melhor, porque certamente será! Pense sempre positivo e siga em frente, com fé


14 Roberto Mendes e confiança, porque os acontecimentos bons dependem unicamente de seu modo de pensar e de agir. — Eu não sei disso, não — disse, ostentando uma certa raiva dentro de mim. — A senhora vive falando isso e não vejo nada mudar aqui em casa. Está faltando dinheiro para comprar comida, quando não falta uma coisa, é outra... E veja só a situação em que se encontra a nossa casa, uma pobreza lascada! E a senhora só vive me falando essas coisas de sempre! — Mas vai chegar a hora em que tudo vai mudar pra melhor — retrucou ela, com ênfase. — Eu acredito na prosperidade e nas realizações dos meus sonhos... Sou uma mulher honesta e trabalhadora e acredito nas forças divinas. Só preciso que você me ajude! Deus está do nosso lado e quando chegar a hora, a abundância virá, é só ter fé e lutar sem desanimar para o melhor acontecer, ao invés de reclamar e se maldizer. — Como assim? — eu perguntei intrigado. — O que eu posso fazer para ajudar? Eu só tenho treze anos. — Só quero que se dedique aos estudos... “De novo esse papo!”, pensei aborrecido pra caramba. Queria ouvir qualquer outra coisa, aquele assunto me causava um mal-estar e um desconforto terríveis! O porquê disso, eu realmente não sabia. — O que aconteceu contigo, meu filho? Você era tão dedicado aos estudos! Do ano passado pra cá, tudo mudou em sua vida e, por sinal, para pior. A causa disso tudo foram as más companhias que você arrumou, não é? — Ah, não quero falar disso, não! — eu comentei. — Vou sair para um rolê... — Como que você vai poder um dia se casar e ter uma esposa e filhos, se não está aproveitando o seu tempo agora para estudar? “Nossa – imaginei eu – isso foi pior que magoar uma ferida em carne viva!” A palavra casamento me fez lembrar da Adriana. “Logo agora que eu estava já me esquecendo da garota, me acontece isso!” Juro que fiquei ferrado de tristeza! Eu, que já estava sem apetite porque não tinha carne como mistura, aí acabou de ferrar! Por que minha mãe tinha que falar em casamento? Além de eu


É NISSO QUE DÁ 15 não querer estudar, ter o tormento de levantar cedo para ir à escola contra a minha vontade, tinha arrumado mais um desarranjo na minha vida: gostar de uma menina que não gostava de mim por eu ser avesso à escola! — É o seguinte, coroa, vou sair e não sei quando volto, não se preocupe! — Não fale assim com sua mãe, rapazinho, me respeite, viu?! Eu não me importei com o sentimento dela, fui até o meu quarto, peguei o canivete, botei no bolso do meu short, fiz um cigarro e sai carburando tranquilamente pelas ruas do bairro, com o boné virado na cabeça. Fui à casa do meu colega de escola, o João e chamei-o. Daí a pouco, ele veio com um livro nas mãos: — O que você quer? — quis saber ele. — Vamos para o córrego brincar e tomar banho! — Não posso ir, estou fazendo as tarefas que a professora me passou para levar prontas amanhã cedo e também estou lendo um livro que peguei hoje, por sinal, muito bom! — Por que você quer estudar tanto assim? — Porque eu tenho um sonho — respondeu João. — E eu posso saber que sonho é esse? — Não. — Por que? — Sonho, a gente não sai contando por aí, é só pra gente! Só depois de realizado é que todo mundo pode ver... Sonho é coisa só da gente! Você não tem nenhum sonho? — Não. Não sei como sonhar — respondi meio confuso. — É equivalente a ter um objetivo! — Piorou, também não sei o que é isso. — Então vem aqui pra dentro de casa e vamos para o meu quarto estudar. Eu vou tirar um pouco do meu tempo para te explicar o que significa tudo isso, ok? — Agora eu não tenho tempo para esse papo, vou procurar outro companheiro para ir comigo ao córrego! Veja como está lindo esse dia de sol! Eu vou aproveitar o máximo esse calor e dar uns mergulhos da hora, naquelas águas fundas... Eu não quero saber de sonhos, não!


16 Roberto Mendes — Tudo bem, amigo, a vida é sua e quem manda nela é só você. O fato de você se dar bem ou mal, isso é problema seu, só acho que você bem que poderia dar prioridade aos estudos, para depois pensar em se divertir. Fiquei muito aborrecido com aquela observação dele. E, por um instante, me lembrei da minha mãe. Foi quase igual a conversa dela. Então, falei num tom de raiva: — Tudo bem, fique aí com seus sonhos e objetivos, que eu vou procurar outro amigo. Virei as costas e fui para a casa de um outro meu colega de escola chamado Marcelo. Daí a pouco, veio a mãe dele e disse: — Ele está estudando, o que você quer com ele, menino? — Eu quero falar um pouco... — Tudo bem, espere só um momento, vou chamá-lo. — Obrigado, senhora! — disse educadamente e até me admirei de mim mesmo. Não demorou muito, veio o Marcelo até o portão e me perguntou: — O que você quer comigo? — Vamos ao rio, todos estarão lá. Vamos? — Eu estou estudando... Não posso... — Deixa pra depois — eu falei. — Eu tenho sonhos... E sonhos não se podem adiar, temos que lutar por eles — disse Marcelo! “De novo esse mesmo papo!...”, pensei aborrecido por demais. — Tudo bem, fique aí então com os seus sonhos que eu vou me refrescar naquelas águas... Vou sozinho mesmo, já que não acho quem queira ir comigo!


É NISSO QUE DÁ 17 CAPÍTULO 2 Naquela tarde, até então, só tive aborrecimentos. Saindo dali eu passei também na casa do Clodoaldo, do Sílvio, do Pedro, do Paulo, do Anselmo e todos me falaram a mesma ladainha, que tinham sonhos e objetivos para realizar, que precisavam estudar e que as diversões ficariam para o último plano. Isso me irritou bastante, acabei indo mesmo sozinho para o córrego. Para a minha sorte, ao chegar no córrego encontrei o Carlão e toda a galera da pesada. Aí foi aquela festa. Eles levaram uma boa porção de maconha e uns litros de conhaque. Fui recebido com muita festa e fiquei à vontade. Naquele embalo, acabaramse todos os problemas da minha vida. Não me preocupei com sonhos, nem com a minha mãe, nem com a Adriana e, muito menos, com a escola! Ora, ora, eu estava muito feliz ali com a minha galera. “Estes, sim, são realmente os amigos de verdade! Os outros que chamei e não vieram comigo estavam mais para babacas e não meus amigos!” A tarde transcorreu num clima para lá de bom. Brincávamos muito, fazíamos planos para botarmos em prática mais tarde à noite; bebíamos e fumávamos os nossos baseados, com total liberdade e descontração! “Isso é que é vida! Eita, vida boa!”, vibrei com entusiasmo. Embora minha barriga estivesse um pouco vazia por eu não ter almoçado, estava muito boa mesmo aquela tarde! Na vinda da cidade para o córrego, passei num bananal e, para minha sorte, havia encontrado um cacho com várias bananas maduras. Assim, aliviei a fome e agora eu estava mais tranquilo. Naquele clima de pura diversão, a tarde passou-se de um jeito que nem percebi. Então saímos do córrego já ao escurecer com destino ao bairro Buraco Fundo. Carlão, o nosso líder, nos convocou para uma reunião ali mesmo, às margens daquela estradinha de chão batido que dava acesso à cidade e nos disse o seguinte:


18 Roberto Mendes — Galera, eu tenho uma parada para resolver hoje à noite com um tal de Pedrão Demolidor e quero saber quem de vocês está comigo. Já quero avisar de primeira que nenhum de vocês é obrigado a ir comigo, se ninguém quiser ir nessa parada, eu vou sozinho e acabo de qualquer jeito com esse cara. Mas aquele que ficar com medo e não for, já pode se considerar fora do meu grupo, porque aqui só fica quem for homem e tiver coragem para o que der e vier. Comigo só fica se for macho mesmo; se for maricas, está fora! Tão logo ouvi isso, já levantei minha mão. Eu fui o primeiro a ficar. Não sei se aquele foi um ato de coragem mesmo, ou se foi apenas por eu gostar muito da confusão. Éramos em oito e, no final da reunião, dois desistiram de continuar e decidiram voltar para casa. Foram embora Joaquim e Maneco. Quando os dois garotos se despediram da gente, foram vaiados e chamados de maricas. — Voltem mesmo a se interessar pelos estudos! Já que não são de nada mesmo, pelo menos estudem, seus molengas! — gritou Carlão. Todavia, ficamos em seis e éramos ainda o suficiente para um quebra-pau daqueles! Eu fiquei nas nuvens e me senti o máximo! Com apenas treze anos, eu já me sentia o tal, ainda mais assim na companhia de um cara forte como o nosso líder! Antes de sairmos, ele exibiu o três-oitão que estava cheio de balas, dizendo: — Se essas aqui não derem, eu tenho mais de reserva aqui no bolso da minha calça. Hoje o Pedrão Demolidor será demolido por mim! Mais tarde, em conversa com um dos integrantes do nosso grupo mais próximo do Carlão, fiquei sabendo de algumas informações importantes a respeito desse sujeito perigoso. Ele tinha dezessete anos e muitas passagens pela polícia e pela casa de detenção de menores, devido a vários crimes de morte. Somente de uma vez, ele havia acabado com uma gangue rival de nove caras. Os que não morreram na hora, foram para o hospital arrebentados! Depois disso, a gangue nunca mais se ergueu... Por isso, então, veio o título de Pedrão Demolidor! Até a polícia cortava volta dele.


É NISSO QUE DÁ 19 “Veja só que loucura!... Se até a polícia cortava volta desse cara, que raio então a gente tinha de ir ao encontro desse bandido?” — eu me perguntei um pouco receoso. Por um instante, fiz uma reflexão sobre a minha vida bandida. Era uma plena quinta-feira, já havia discutido com a minha mãe por eu não ter ido estudar, havia passado na casa de vários amigos, e todos me disseram que iam estudar porque tinham sonhos e objetivos a realizarem na vida. No dia anterior, havia falado de namoro a Adriana e ela me deu foi uma tremenda lição de moral. Um fora daqueles! Agora, eu me sentia como se estivesse indo para o abatedouro, ao encontro desse Pedrão Demolidor. Realmente, não sabia aonde isso ia dar. “Acho que, desta vez, estou indo longe demais. Agora eu tô lascado!...” Um peso de consciência me fez balançar entre o certo e o errado. Quando estávamos bem próximos do fim da estradinha, paramos embaixo de um pé de manga, fumamos mais um cigarro de maconha, tomamos o resto do conhaque e fizemos a última reunião para acertarmos o plano de ataque e de defesa, em relação à gangue rival. Foi aí que fiquei sabendo de mais um detalhe da história. Pedrão havia matado o maior amigo de Carlão e isso foi o estopim de a coisa toda pegar fogo. Já havia acontecido uma troca de ameaças entre os dois bandos. Além do mais, eles eram em nove e isso acabou me deixando ainda mais temeroso, pelo fato da gente estar somente em seis, uma desvantagem de três a menos. Resolvemos, então, deixar escurecer bem, antes de irmos para o bairro Buraco Fundo. Lá pelas oito horas da noite marchamos pra lá. Cruzamos várias avenidas, sempre evitando o centro da cidade, até chegarmos na toca do Pedrão Demolidor. Aquilo me arrepiou o corpo todo, dos pés à cabeça. Isso já era por volta das nove horas da noite. Estávamos numa esquina, decidindo para que lado seguir, quando, do nada, por assim dizer, surgiu um menino mais ou menos com a minha idade e nos perguntou: — Ei, quem são vocês e o que estão querendo aqui no meu bairro?


20 Roberto Mendes — Isso não te interessa, eu não vi seu nome aqui no bairro para você dizer que é seu, ora essa! — respondeu Carlão. — Eu nunca vi vocês, certamente não moram aqui e isso é invasão de terreno alheio, sabiam? — Então, vem nos tirar daqui, seu pivete! — desafiou Carlão. — Eu vou chamar o Pedrão, ele está ali resolvendo uma parada — disse o garoto, rumando para um beco com poucas luzes. Aí, eu senti o drama do medo e até me arrependi de ter vindo. Mas, eu tinha dado a minha palavra e não podia me acovardar. “É nisso que se dá, não ter juízo, não ouvir os conselhos da mãe e se meter com más companhias!” conclui com meus botões. Não sabia exatamente a quantos quilômetros eu estava de casa. Imaginei que fossem uns oito. E havíamos feito todo aquele trajeto a pé! A cidade, na verdade, era bem grande e eu a conhecia quase toda. Raramente andávamos de ônibus, só mesmo quando a minha mãe ia para o centro e me chamava para fazer-lhe companhia. Não demorou muito e logo chegou o tal Pedrão Demolidor e seus parceiros, incluindo aquele espião de esquina, que nos intimou assim que chegamos. De fato, eram mesmo nove, pude constatar. Mas, não dava muito bem para ver claramente a fisionomia deles, porque a luz ali naquele local estava um tanto ofuscada pelas sombras das árvores. — O que vocês vieram fazer aqui, seus pirralhos? — perguntou Pedrão. — Vir aqui no meu pedaço, acho que é muita ousadia da parte de vocês porque, além de serem em menor número, são todos uns recém-desmamados. Na verdade, eu pude ver logo de cara que ele tinha lá suas razões, porque além de sermos em menor número, ainda éramos todos mais bem mais franzinos de corpo do que eles. “Mais essa!...”, pensei aflito. “Bem que eu poderia ter ouvido a minha mãe e estar agora em casa com ela... E, pior que isso, é que ela nem faz ideia por onde ando e em que situação estou metido agora!”. Minha mãe era uma mulher sozinha, só tinha eu de filho e tudo o que fazia era para me agradar. Às vezes, chegava a implorar pela minha companhia, que era tudo o que eu


É NISSO QUE DÁ 21 tinha para lhe dar! “Mesmo assim, eu sempre estou a lhe negar isso!”, pensei com desgosto, vendo bem ali na minha frente o perigo iminente. — Talvez você tenha razão!... Mas, no final, vamos ver então quem vai sair na pior! — retrucou Carlão. — Não pense que você vai sair hoje daqui impune pelo fato de ter matado o meu melhor amigo! Estou aqui para um acerto de contas e isso vai ser feito agora, custe o que custar! — Então foi para isso que você veio? — comentou Pedrão. — Assim sendo, sou obrigado acabar com você e com esses borra-botas que estão em sua companhia. Vou fazer como eu fiz com a outra gangue, não sobrou um para contar a história! Os que escaparam com vida, depois de vários dias incubados em leitos no hospital, se desertaram, que nunca mais nem soube notícias! Meninos, peguem os pivetes que eu cuido sozinho desse tal Carlão! Quando foi dada essa ordem, eu vi que a coisa não seria nada agradável e tampouco fácil. Só me lembro que o pau comeu para valer. O Pedrão sacou de uma faca luminosa, parecida com aquelas de açougueiro e vi-lhe o brilho no reflexo da luz da rua. Ele partiu para cima de Carlão, sem imaginar que o rival o esperava com um três-oitão... Nesse dado momento, os parceiros dele vieram para cima de mim e dos outros companheiros, conforme fora ordenado. Um líder cuidava de acabar com a raça do outro líder, enquanto os demais integrantes se pegariam também na pancadaria. Foi socos e pontapés para todos os lados, de tudo quanto era jeito! Eu dei muitas porradas; porém, levei bem mais! Só me lembro de ter ouvido vários tiros antes de me apagar, quando dois brutamontes me pegaram e acertaram em cheio.


22 Roberto Mendes CAPÍTULO 3 Quando acordei, estava num leito do hospital com vários hematomas pelo corpo e, principalmente, na face, bem como o braço esquerdo engessado. E senti o corpo todo moído, doendo pra caramba! Ao recobrar a minha consciência, ouvi o médico falando para minha mãe, que chorava em silêncio ao meu lado: — Não se preocupe, Dona Maria! O pior já passou e logo ele vai ter alta. Já fizemos todos os exames e constatamos que nada de tão grave veio-lhe a ocorrer, além da fratura no braço esquerdo. Pura sorte! Essas brigas de rua costumam acabar em ferimentos graves, senão fatais! Seu garoto é forte e isso ele vai tirar de letra. Eu respirei fundo e, de certo modo, me senti mais aliviado, nem tanto por mim, mas pelo fato de saber que minha mãe havia ouvido isso da boca do próprio médico. Uma enfermeira chegouse ao meu leito e falou: — Como vai, menino? Tudo bem? Fique tranquilo, você já está muito bem, se comparado ao estado em que chegou ontem aqui. Pensávamos ser bem mais grave a sua situação! Agora vou botar outro soro com mais remédios e logo você vai ter alta, amanhã talvez. Eu não respondi nada e fiquei pensativo, olhando para minha mãe que tentava disfarçar o choro em silêncio, enxugando as lágrimas com as costas das mãos. — Ele vai ficar bom, Dona Maria! — disse a enfermeira. — Logo seu filho estará de volta em casa, na sua companhia. — Tudo bem, moça! — falou minha mãe! — Eu agradeço o tratamento e o carinho de vocês para com o meu filho. Ele saiu ontem de casa ao meio dia, dizendo que ia tomar banho no córrego... Anoiteceu e ele não chegou em casa... Fiquei muito preocupada e num total desespero, sem saber ao certo por onde ele andava e meu coração de mãe me dizia que algo muito


É NISSO QUE DÁ 23 estranho poderia estar acontecendo... E o pior é que isso se confirmou. — Mas agora está tudo bem, ele escapou com vida, já está se recuperando e não vai mais entrar nessa de ser membro de gangue alguma, né Antônio? — sorriu a enfermeira. Eu não respondi nada. Minha cabeça parecia um zabumba, toda dolorida, parecendo ser do tamanho de um botijão de gás! Aqueles caras haviam feito de mim um saco de pancadas. Minha cabeça tinha sido atingida muitas vezes, deduzi pelo o que eu sentia agora. — É o que eu espero dele daqui pra frente — disse minha mãe à enfermeira. A hora da visita havia chegado ao fim e minha mãe teve que ir embora, ficando mais ou menos acertado que, no dia seguinte, se o meu quadro de melhora continuasse evoluindo, então o médico me daria alta. Minha mãe me deu um abraço meio desajeitado, porque eu não podia me livrar daquela parafernália toda ali ligada em mim e, meio triste, se despediu de mim, prometendo voltar no dia seguinte na hora da visita. Se fosse o caso, eu já voltaria com ela para casa. Só sei dizer que assim que ela saiu do quarto, eu apaguei e não vi e nem senti mais nada! Adormeci num sono profundo, creio eu devido aos efeitos dos remédios e também do cansaço das bagunças que aprontei no dia anterior. No dia seguinte, na hora da visita, para o desconforto de minha mãe, o médico disse que era aconselhável eu ficar mais um dia no hospital, em observação. Ele alegou como motivo o fato de eu ter levado muitas pancadas na cabeça e tornou a repetir o que havia dito antes, que eu havia tido muita sorte por não ter sofrido um traumatismo craniano. Minha mãe concordou com o doutor e preferiu que eu ficasse mesmo internado por mais um dia ou pelo tempo que fosse necessário. O mais importante era que eu voltasse bem pra casa, sem nenhuma sequela... Daí a pouco, eu tive uma surpresa. Era a visita da Adriana em meu quarto! Naquela hora, minhas vistas clarearam e parece que um véu se abriu à minha frente. Me veio outro ânimo, apesar de saber que ela havia me rejeitado severamente dias atrás.


24 Roberto Mendes — Oi Antônio, como você está? — quis saber ela. — Estou melhor agora, com a sua visita inesperada! — eu respondi, meio desajeitado por me encontrar naquele estado lastimável. — A senhora é a mãe dele? — perguntou Adriana, voltando-se para a mulher ao lado de minha cama. — Sim. E você, quem é? Imagino que seja uma das amiguinhas dele da escola, não é? — Sim, isso mesmo — respondeu a garota dos meus sonhos. — Hum, que bom! — Como é que você ficou sabendo do acontecido comigo, Adriana? – perguntei um pouco ressabiado. — Foi fácil, eu li aqui no jornal! — respondeu ela, em tom áspero. — Vou reler para refrescar a sua memória. “Ai, meu Deus, lá vem bronca por aí, quer ver só!”, pensei angustiado. Ela começou a leitura da manchete policial na coluna de notícias impressa naquela folha: “Nesta última quinta-feira por volta das dez horas da noite, houve uma briga de gangues nas proximidades do bairro Buraco Fundo. Duas gangues rivais marcaram um encontro naquele local, mas ainda não se sabe bem o porquê de tanta violência! A gangue liderada pelo Carlão Damasceno e a outra, sob o comando do famoso Pedrão Demolidor, encontraram-se ali e o local tornou-se um palco de uma guerra muito sangrenta. Tudo indica, pelas primeiras apurações, que Carlão deu quatro tiros no rival Pedrão, vindo o mesmo a óbito ali mesmo no local. Mas não foi só isso, morreram na briga um tal Zeca de quatorze anos, que era integrante da gangue do Carlão e também um da outra turma, que se chamava Cândido Amélio, aparentando ter uns quinze anos de idade. Um outro, que se chama Antônio, foi recolhido para o hospital num estado muito grave e não se sabe ainda se sairá de lá com vida. Este garoto, segundo as informações já apuradas, tem apenas trezes anos e mora só com a mãe. Quanto aos outros, conseguiram fugir da polícia e tomaram rumo ignorado até então. A polícia prometeu que vai capturar um por um”.


É NISSO QUE DÁ 25 Ao terminar a leitura, Adriana olhou bem para mim e respirou fundo, demonstrando estar bastante zangada. “Mataram o meu amigo Zeca, eu gostava tanto dele!” — pensei angustiado, sem forças para abrir a boca e pronunciar qualquer palavra. Foi assim que eu tomei conhecimento do resultado daquele encontro fatal ocorrido entre as duas turmas. Haviam morrido três naquela batalha, sendo que eu me encontrava ainda bem machucado no hospital! O Carlão e os demais haviam ganhado o mundo... — Está vendo como foi que eu descobri onde você estava? — falou Adriana, em tom bravo. — É essa a vida que você quer continuar levando pelos próximos anos? Você bem que deveria era estar estudando, ao invés de ficar participando dessas coisas horríveis! O fim de quem se mete no mundo do crime é esse que você está vendo! É nisso que se dá! Fazendo uma pequena pausa para respirar, Adriana emendou: — Agora eu tenho que ir. Vou deixar o jornal para você ler quando estiver melhor. Quem sabe você mude de ideia e volte a se interessar pelos estudos, ao invés de ficar aprontando essas barbaridades pelas ruas!... Vê se toma juízo e deixa de ser Mané!... Adriana havia sido muito dura comigo, acho que até mais que a minha própria mãe. “Poxa, ela é só uma garota com apenas treze anos, a mesma idade minha e já age assim, falando como se fosse adulta! Ora, ela não tem o direito de vir aqui e falar assim comigo! Quem ela pensa que é? Se ela não gosta de mim, por que se preocupa tanto comigo? Desse jeito, eu estou enrolado mesmo, tomei um cacete dos caras, de ficar moído e aqui internado, levo bronca da minha mãe e até da Adriana. Já estou até pensando com que cara eu vou chegar na escola e ter que aguentar mais broncas dos meus professores. Se eu pudesse sumiria desta cidade, para nunca mais eu voltar aqui!...”, pensei, olhando para o teto branco daquele quarto de hospital, enquanto ouvia o ruído dos passos da Adriana indo embora, depois de mostrar o jornal para mim e me dar aquela lição de moral. “Mais uma vez!...”, suspirei desconsolado. Minha mãe, que ainda estava ali ao meu lado, ao ouvir tudo o que a garota falou, segurou-me a mão e disse:


26 Roberto Mendes — Por hoje está bom. Enquanto você estiver aqui, eu não vou te falar mais nada; mas, saiba que quando chegar em casa, a gente vai ter uma conversa muito séria. E de quebra, tudo o que a Adriana falou aqui, eu assino embaixo! Não tinha jeito mesmo, eu estava ferrado por todos os lados. Era como se fosse uma gaiola. Não tinha saída pra mim! Era só bronca e mais bronca e agora, pior que isso, era o fato de eu estar quebrado fisicamente depois da surra que levei! Mas nada se comparava a perder um amigo! Ninguém imaginava o quanto doía saber que ele se havia ido e eu nem tivera tempo de ajudálo!


É NISSO QUE DÁ 27 CAPÍTULO 4 Seis dias depois... Após a alta médica, mais uma vez recebi a visita de Adriana que me prometeu, caso eu quisesse, me levar novamente à escola e me ajudar nos estudos. Confesso que, mais por ela e menos pela escola, eu tive um momento de felicidade diferente de todos os que eu já tivera em minha vida, até então. Seu apoio me fez por demais feliz! Foi assim que voltei aos estudos e recomecei a frequentar as aulas outra vez, um tanto meio desconcertado. Estava com o braço esquerdo engessado e ficaria ainda assim por mais uns 50 dias, conforme recomendações médicas. Foi muito difícil o meu retorno à escola, por causa dos fatos ocorridos. Compreendi que tudo foi devido aos meus próprios atos, em desobediência aos professores, à minha pobre mãe e até mesmo à minha amiga Adriana. Aliás, esta continuou algumas vezes a me dar umas broncas muito duras, como se ela fosse mesmo responsável por mim, ou coisa parecida. A essa altura dos acontecimentos, eu me sentia bastante desmotivado nos estudos e tinha certeza de que mais um ano letivo da minha vida já havia ido para o ralo. Isso sem contar que foi por um fio eu não ter perdido a vida naquela noite inesquecível da minha vida! O dia que eu retornei à escola, ainda com várias manchas visíveis em meu rosto, braços, pernas, em todo o corpo, afinal, os garotos da minha classe ficavam me perguntando como foi que eu tinha me machucado tanto daquele jeito, como foi a briga e se eu bati muito. Coisas de meninos!... Virei o centro das atenções por onde quer que eu andasse ali na escola! Ainda mais eu, que já era malvisto ali! Por umas duas vezes, eu já havia me envolvido


28 Roberto Mendes em confusões com outros alunos e professores. Até a polícia havia vindo apaziguar as situações ocasionadas por mim tempos atrás! Naquele primeiro dia de retorno à escola, depois da aula, eu fui convocado a participar de uma reunião na sala da diretora, sem que me fosse informado o motivo. Quando cheguei lá, fiquei boquiaberto porque só havia eu de aluno. Mas, todos os meus professores estavam lá! Se soubesse que eu era o único convocado, teria fugido com certeza. Mas, o negócio foi bem planejado e eu caí direitinho na armadilha! Agora não tinha mais como eu fugir daquela sala! Estavam todos em volta de mim! Respirei fundo e não fiz outra coisa a não ser ouvir. A diretora, Marina Cândida, pegou um copo de suco, trouxe educadamente para mim e pediu para eu beber. Bebi aquele líquido, que nem sei que gosto tinha, de tanta amargura e aflição que sentia naquele instante. Na verdade, nem sei descrever de que era feito aquele suco. Perdi todo o meu paladar devido ao nervosismo que sentia naquele momento crucial da minha vida. Quando acabei de ingerir aquela bebida sem gosto algum, por um olhar de relance eu vi todos os outros meus professores ali silenciosos. Aquela reunião não estava me cheirando nada bem, porque só eu estava sendo o motivo de ela estar sendo realizada. Só podia ser por causa do meu comportamento nos últimos dias... Só havia essa explicação na minha cabeça. — Antônio, antes de qualquer ideia que você possa fazer a respeito desta reunião, tenho uma coisa para lhe dizer... Todos aqui nesta sala gostamos muito de você! Estamos empenhados em lhe ajudar em tudo o que for preciso para você não desistir dos estudos e largar de uma vez por todas sua vida nas ruas. Fiquei calado pois agora ia ser aquele bombardeio em cima de mim. Eu não entendia ainda direito, porque tanto empenho de todos para comigo, se, na verdade, eu só queria era abandonar de uma vez por toda a escola. — Para você não achar que eu estou tentando te enrolar com conversas vazias, quero que saiba que o delegado de polícia esteve falando com sua mãe e também veio até a mim, querendo de todo jeito internar você.


É NISSO QUE DÁ 29 — Mas, por que me internar?! Eu só apanhei na briga! Por que não internam aqueles “pés de porco” que mataram meu amigo?!... Se dar ouvidos à minha revolta, a diretora continuou: — Todos aqui nesta sala, como você está vendo e com o apoio de sua mãe, nos comprometemos a nos responsabilizar por você, a fim de que não fosse preciso haver a sua internação. Eu estava cabisbaixo e assim continuei, pois sabia que não havia argumento para mim. Aí, foi a vez de o meu professor de Português falar: — Antônio, saiba que a vida é um presente de Deus e é muito boa, desde que a gente saiba recebê-la e zelar por ela. Use a sua vida para viver bem consigo mesmo e com todos à sua volta. Faça sempre o bem e o bem também virá sempre em sua direção, como os rios discorrem para o mar! Abençoe para ser abençoado! Toda a transformação para o bem ou para o mal em sua vida, só depende de você mesmo! Você tem que acreditar em si mesmo e ir à luta, para se tornar um vencedor! Se você não der o primeiro passo para mudar a sua própria vida, ninguém vai poder te ajudar! Observe bem isso! A professora de Matemática levantou-se, caminhou de um lado para o outro e soltou também a dela: — Eu vejo em você um grande potencial. Percebo que seu raciocínio é muito bom. — Vejo que, quando você se interessa realmente em resolver as questões, você consegue com facilidade. Em outras palavras, te acho um gênio, pena que você não está dando o mínimo valor ao seu talento... — Eu estou fazendo uma lista de garotos interessados em formar uns times de futebol para realizarmos um campeonato aqui mesmo na escola — falou o professor de Educação Física. — Sei que isso te interessa e sei que seu tempo agora será mais bem aproveitado. Sua vontade poderia ser bem aproveitada aqui comigo e com todos seus colegas de classe. O que acha de ficar conosco nos períodos alternados de aulas?


30 Roberto Mendes Não sei o que se passou na minha cabeça, mas, naquele momento, pela primeira eu me senti parte de um grupo que não fosse a minha gangue de rua. Pude sentir que, realmente, eu teria uma nova oportunidade. O medo foi muito grande, pois havia ainda algumas coisas que deixei na rua.... Mas, de lance, já respondi empolgado: — Posso deixar para resolver se entro ou não na sua lista de jogadores amanhã? — Sim, como você quiser, mas pense com carinho e sabedoria na minha proposta e também em tudo o que você ouviu aqui de todos os seus professores, certo? Sei que agora você não pode participar ativamente dos jogos por causa do seu braço, mas se quiser, aceito a sua companhia comigo, para me ajudar na organização das fardas dos times que vão disputar e... quem sabe... nos próximos eventos você já poderá participar também dos jogos. Por enquanto, você fica só me ajudando a organizar a lista dos garotos, as convocações e as fardas... Após um breve silêncio, a diretora Dona Marina Cândida retomou a palavra: — Agora você está dispensado, pode ir para sua casa descansar e fazer suas tarefas. Pense bem na sua vida antes de tomar decisões que possam meter você em novas confusões! Se precisar de ajuda, pode contar com a gente e não tenha vergonha de se expor, fique à vontade. Mas também não continue abusando da sorte e da paciência de quem quer te ajudar... — advertiu ela. Eu saí daquela sala mais zonzo do que quando eu tomava um porre com meus amigos na rua. Aquilo tudo que ouvi abalou todo o meu estado de nervo, a mente e a alma. Um turbilhão de pensamentos se manifestava em minha cabeça ao mesmo tempo. Parecia que eu estava enlouquecendo. Aquilo era demais pra mim! Problemas nas ruas, na escola e em casa com a minha mãe! Pior ainda era aquela pobreza na minha casa, a minha mãe sempre dizendo que as coisas iam melhorar um dia e eu nunca via esse dia chegar! Foi então que pensei no meu pai. Ele havia sumido no mundo com outra mulher e nem procurava por mim! Enquanto eu caminhava rumo a minha casa, tive a percepção de que havia duas forças lutando para me dominarem. Uma tentava me resgatar para uma vida de paz, de sabedoria, de


É NISSO QUE DÁ 31 amor, de riqueza, de prosperidade... A outra tentava me arrastar para uma vida de misérias, de pobreza total e até de morte! Agora eu me via lutando com isso e não estava sendo fácil para mim! Mas, todos queriam o meu bem. Isso de certa forma me dava forças e uma energia positiva imensa! Acho que era isso que ainda me mantinha vivo e com um fio de esperança...


32 Roberto Mendes CAPÍTULO 5 Fiquei um bom tempo sem ir às ruas e comecei a me interessar pelos estudos, embora já não tivesse mesmo como recuperar o meu ano letivo, por conta do meu péssimo desempenho nos três últimos trimestres. Na verdade, estava frequentando as aulas só por cortesia e consideração aos professores e à minha própria mãe, eles que tanto faziam por mim e até me livraram das garras do Delegado de Polícia, que queria de todo jeito me internar. Depois que me vi livre de meus ferimentos e o meu braço ficou recuperado da fratura, passei a me sentir bem melhor! Sentia interiormente uma elevação da autoestima e um pouco de paz na vida. Mas o meu animo durou pouco. Infelizmente, tive uma recaída, voltei para as ruas de novo e me pus novamente a usar drogas, lícitas e as ilícitas. Tudo porque eu ainda estava de certa forma inconformado e magoado com a morte do meu amigo Zeca. Foi aí que resolvi criar a minha própria gangue, já que o Carlão havia desaparecido. Fiquei sabendo por fonte não tão confiável que ele se encontrava noutra cidade e mandou dizer que deixava a vaga dele em aberto para qualquer um do grupo dele formar outra gangue. Ele não voltaria para cá tão cedo! Então, eu vi naquela oportunidade um caminho para deixar a pobreza. Tratei logo de iniciar a minha oitiva convidando a molecada do bairro pra um futebol de rua e fui tão logo formando o um grupo de garotos corajosos como. Logo chegamos ao número de oito membros. Nunca tive medo da vida, mas ser líder era bem melhor que estudar. Não perdi tempo, tinha que ter um nome que causasse impacto. Poderia ser “Toninho”, “Tonho”, mas logo veio à minha cabeça o apelido de “Tonhão do Boné”. Então, passei a exigir deles que me chamassem de “Tonhão do Boné Virado”. Não preciso nem dizer que meu desempenho na escola voltou a piorar. Mas... e daí? O que isso importaria? Saí logo da


É NISSO QUE DÁ 33 companhia do meu professor de Educação Física e deixei-o sozinho lidando com os times que ele havia organizado e que, a essa altura, estavam disputando o campeonato de final de ano na escola. Lá em casa, as coisas continuavam do mesmo jeito, a mesma pobreza e os mesmos problemas de sempre entre mim e minha mãe, pelo fato de a gente estar sempre discutindo. A nossa casa estava velha, caindo aos pedaços, não tinha muro e os móveis já estavam um tanto danificados, precisando de uma substituição há muito tempo. Realmente, eu acreditei que, sendo líder, a minha vida iria melhorar em alguns aspectos. Mas, a minha carreira como chefe de gangue não durou muito. Certo dia, os caras que formavam a gangue do que restou do grupo do Pedrão Demolidor, me pegaram de quebrada, num bairro afastado do centro da cidade. E me quebraram no pau, dizendo que, daquela vez, ainda iam ter misericórdia de mim; mas, na próxima, não ia ter diálogo. Eu já poderia me considerar morto, se insistisse em continuar com a história de tomar os pontos de fumo. Como fui muito turrão, eles me deram um outro alerta: disseram que, além de me apagarem, ainda vinham acabar com a minha mãe. Aí foi demais! Doeu muito em mim. Logo a minha mãe que tanto me amava e lutava para me tirar das ruas, pagar por uma coisa que não devia! Então prometi que ia parar e que não ia nunca mais liderar gangue alguma! Que eles me deixassem ir embora e me esquecessem, porque eu também ia fazer isso. Foi selado, então, acordo entre a gente. Mas, antes de me libertarem, como último aviso, ainda me deram várias pancadas e chutões, mesmo depois de eu já estar caído no chão. — Para refrescar a sua memória, este é o nosso último aviso — falou o líder da outra gangue. — Agora você é o “exTonhão”... E se vacilar outra vez, será o finado “Tonhão”! Fiquei ali no chão por alguns minutos, ainda inerte, vendo todo o filme daquela outra briga em que houvera três mortes passar na minha mente outra vez. “Isso de novo me acontecendo? É demais é demais!”, gemi baixinho. Depois, percebi que desta vez eu havia levado sorte, ao constatar que não tinha nenhum osso quebrado em meu corpo, Só


34 Roberto Mendes mesmo alguns machucados e sangue escorrendo do meu nariz. Levantei-me e falei para o meu companheiro que não estava tão ferido quanto eu: — Preciso ir pra sua casa fazer uns curativos e me recuperar um pouco, não posso deixar minha mãe me ver assim, entende? Ela já sofreu demais, não merece passar por tudo isso de novo, me ajude! — Sim, eu te ajudo, vem comigo — concordou Alberto. Isso era por volta das 21 horas. De longe, já avistamos Dona Selma que veio logo ao nosso encontro e admirou-se do meu estado físico, aparentemente nada agradável. Minhas roupas estavam muito sujas de sangue, de terra e até rasgadas em algumas partes, tanto a camiseta como o short. A essa altura, eu já nem me lembrava mais do meu boné. Certamente, se perdeu lá na confusão. — Meu Jesus amado, o que é isto menino?! — quis saber Dona Selma. — Ele esteve perambulando por outro bairro desconhecido, e uma gangue o pegou... — interveio Alberto. — E para a sorte dele, eu fiquei sabendo através de outros garotos do acontecido, fui lá e o encontrei. Sei que mentira tem pernas curtas; mas, se ele dissesse que estava comigo e que poderia ter apanhado muito, sua mãe me expulsaria dali. Alberto salvou a minha pele e também a dele, dando uma de santinho, como se não soubesse mesmo de toda a verdade. Somente a mãe dele é que ainda não sabia de nada, mas bem que andava desconfiada de tudo isso. Mas, por ora, ela preferiu não ficar questionando a gente e se preocupou em cuidar dos meus ferimentos. Ainda assim deu uma alfinetada, dizendo: — Tudo bem Alberto, agora eu vou cuidar dele; mas, depois eu vou chamar o seu pai e então, nós três vamos ter uma conversa muito séria! Não pense que eu acreditei em você! Essa história está muito mal-contada. Nesse angu tem caroços, viu? Dona Selma foi logo providenciando uma água morna para lavar os meus ferimentos e, antes disso, medicou-me com um comprimido e falou: — Se você não melhorar daqui mais ou menos a uma meia hora... me fale, porque será preciso levá-lo, então, para o hospital.


É NISSO QUE DÁ 35 Enfim, o tratamento que eu recebi de Dona Selma me fez muito bem. E assim que melhorei, eu fui pra casa. No dia seguinte, eu me encontrava em casa com minha mãe e resolvi abrir todo o jogo para ela; mas, com uma condição: que ela não se zangasse comigo no final, porque eu já estava calejado de tantas broncas, apesar de eu ter feito por merecê-las, é claro. Assim ficamos combinados. Eu contaria tudo o que já havia aprontado no ano anterior e neste que já estava perto do fim (pois já passava dos meados do mês de novembro), desde que ela não me repreendesse pelo que já havia passado. Antes de começar a falar, ela me disse: — Tenho duas coisas para te falar. Uma eu falo agora e a outra depois de ouvir tudo o que você tem para me dizer. — Ok, tudo bem! Diga, então, minha mãe. — Eu comprei um pedaço de carne com o dinheiro que me sobrou esta semana. As contas de luz e de água, também já as quitei. E hoje no almoço vou preparar uma macarronada ao molho... e carne cozida para acompanhar, do jeito que você gosta! — Tudo bem, que ótimo, mamãe! — eu disse com doçura. — Fiquei animado, viu?! Então comecei a contar-lhe como tudo começou e todas as minhas amizades nas ruas, as minhas aventuras e os meus envolvimentos com drogas. Contei as histórias que sabia a respeito das gangues perigosas que haviam na cidade. Haviam dois tipos de gangues: as que eram formadas por menores de idade e as que envolviam homens barbados, muito perigosos no mundo do crime. Na calada da noite havia tráfico de drogas e de armas. Por essas e outras é que ocorriam várias brigas e mortes em certos pontos da cidade. Eu havia entrado para valer no mundo do crime, por assim dizer, aos doze anos e já sabia de quase tudo, em se tratando de malandragem, de perigo e de tantas outras coisas relacionadas à vida noturna das pessoas que vivem no submundo do crime. Minha mãe, que já tinha trinta e cinco anos, muito pouco sabia a respeito dessas coisas. Mas logo cheguei à conclusão de que não era nada importante e tampouco agradável saber de tudo aquilo, da maneira como eu sabia, se, na verdade, por causa disso, eu já


36 Roberto Mendes havia quase perdido a vida por duas vezes. Foram as surras que já havia levado (creio eu que apanhei mais nas ruas do que mesmo bati) que me levaram a entender que o conhecimento do perigo não me deixava imune a ele. Para ser sincero comigo mesmo, já não estava sentindo nenhum orgulho em saber de tudo isso que eu já conhecia em tão pouco tempo de vida! Depois que contei tudo, eu não soube distinguir qual era a expressão de minha mãe, se de alívio por eu estar me abrindo com ela e disposto a sair das ruas, ou se de preocupação. Foi aí que ela me perguntou: — E eu posso saber agora qual é a sua decisão em relação a tudo isso? — Sim! Estou pensando seriamente em deixar essa vida de aventuras perigosas e voltar a estudar. — Não tem mais o que pensar, meu filho! — disse ela. — Pense no seu futuro e no esforço que todos fizeram por você até aqui! Veja a chance que você está tendo de recomeçar uma nova vida com abundância e prestígio. Se você estivesse morto, outra oportunidade nunca mais teria e eu estaria só agora no mundo, sem marido e sem filho. — Não sei bem o que dizer, mas a senhora tem toda a razão. — O fato de reconhecer essa situação já é um bom começo para você repensar os atos praticados e decidir melhor como agir daqui pra frente. Procurando esconder uma lágrima furtiva, ela se afastou fungando: — Agora eu vou preparar o nosso almoço! — Sim, mas a senhora tem uma outra coisa mais para me dizer, já se esqueceu? — lembrei-a. — Qual foi o nosso trato?... — Ah sim, tudo bem, vou, então, te contar logo... Confesso que fiquei muito curioso para saber o que viria s seguir. — Quero te falar que conheci recentemente um homem da mesma igreja de que eu participo. Aparentemente, ele me parece ser uma pessoa muito boa. Achei que você devia saber logo por mim e não pela boca dos outros. Eu não posso viver sozinha, meu filho, preciso de alguém para tomar conta de mim, desta casa e


É NISSO QUE DÁ 37 me ajudar a cuidar de você, já que seu pai não está nem aí pra gente. É obvio que fiquei nervoso. “Como assim, outro homem em casa?! Isso jamais poderia acontecer! Tudo bem que meu pai não era nenhum herói para mim, mas lá no fundo esperava que ele viesse novamente a viver com minha mãe... — Eu não preciso de homem nenhum para cuidar de mim, eu já sou um homem e sei muito bem me cuidar, viu, minha mãe? — falei muito aborrecido com aquela revelação dela. — Tudo bem, meu filho, eu concordo um pouco com o que você está me falando... Não totalmente, porém... Mas, logo você vai entender a minha situação e há de concordar comigo. “Ela sempre viveu a vida dela para mim!” — pensei. “Como posso eu querer que ela continue a viver por mim? E ela, como ficaria quando eu fosse viver minha vida?” Refleti um pouco e resolvi voltar atrás e dar uma chance à minha mãe. — Tudo bem, eu deixo a senhora namorar esse homem; mas, se ele tocar num fio de cabelo seu, juro que eu acabo com a raça dele num piscar de olhos! Outra coisa: ele é seu namorado, mas não é meu pai. Não quero ouvir nenhum tipo de sermão por parte deste unzinho aí que a senhora escolheu! — Ninguém vai agredir ninguém não, menino! Esqueça esse negócio. Quero de volta o “meu” Antônio, aquele doce de criança que era antes de ir para as ruas viver em más companhias! Minha mãe fez uma pausa e prosseguiu: — Meu namorado é um amor de pessoa! Não fiquei tão só todo esse tempo para botar um traste em minha companhia, certo? — Eu espero mesmo, viu mãe?! Então, ela foi até a mesa, apanhou um jornal do dia anterior e me deu para ler, apontando uma manchete que tratava de uma reportagem policial. E acrescentou: — Veja aí, agora, o fim que levou o tal de Carlão Damasceno! Esse mesmo que era tão seu amigo e líder! Eu juro que estremeci. Na matéria estava escrita o seguinte:


38 Roberto Mendes Nesta última madrugada de sexta-feira, foi encontrado pelos policias o corpo de um jovem aparentando ter uns quinze ou dezesseis anos de idade, crivado de balas. Até agora, tudo o que se sabe a respeito do mesmo é que ele era um fugitivo da polícia de outra cidade... Eu sabia quem era! Nem precisava terminar a leitura! Todas as características indicavam que meu líder, meu exemplo havia terminado sua vida ali. Uma lágrima correu em meu rosto e disse baixinho: “Adeus, Carlão!” Olhei à minha volta, observei as paredes da casa, os velhos e poucos móveis que haviam ali e pensei que tudo aquilo poderia melhorar. Eu só não sabia como! Mas, o almoço especial e a possibilidade de ter mais uma pessoa para nos ajudar me deixou muito emocionado e crente de que dias mais fartos estavam se avizinhando.


É NISSO QUE DÁ 39 CAPÍTULO 6 Final do ano letivo! Fui à escola só mesmo para formalizar a minha presença. As notas foram cada uma mais baixa que a outra. Os alunos que entraram comigo, no ano seguinte já iam estudar a sétima série e eu tinha ainda que voltar para o quinto ano. Foram dois anos perdidos da minha vida e, por pouco, não perdi também foi a vida toda! Os dias foram-se passando. Certa manhã, após o término das aulas, encontrei-me com a Adriana e — imaginem! — ela já foi logo me alfinetando: — Você está contente agora com seu resultado na escola? Eu bem que te avisei, mas não quis me ouvir! Agora vai pagar o preço da sua arrogância! Ano que vem já vou fazer a sétima série e você poderia também estar nessa. Acorda, menino! Toma juízo! Deixe de ser tolo!... Não sei porque ela me disse tudo aquilo, se, na verdade, nem quis namorar comigo! Quem sabe ela agia assim com todo o mundo! Ou será porque gostava de mim?! Fiquei pensativo... Aquilo me chamou muito a atenção! Não respondi nada para a garota, saí cabisbaixo e muito pensativo. Fui até a casa do meu colega João... é isso mesmo, aquele “nerd” do começo de nossa história. Chegando lá, bati palmas e, para a minha alegria (por assim dizer, porque eu não tinha tanto motivo assim para estar alegre pelo fato de ter perdido mais uma vez o ano letivo), ele veio me atender, perguntando logo se eu queria entrar. Eu disse que sim. Fomos para a sala, um cômodo grande, com mesas novas, cadeiras bonitas, uma televisão quase maior que meu quarto. Ali começamos a conversar e, sem perder tempo, já lhe perguntei: — Qual era mesmo o sonho que você me disse que tinha para realizar, quando eu estive aqui? Aquela frase do sonho havia me deixado uma inquietação! Então, ele mostrou-me um notebook novinho que havia acabado


40 Roberto Mendes de ganhar no dia anterior de seu pai. Havia sido uma promessa, se ele passasse de ano. — Eu estava precisando muito de um computador e pedi para o meu pai; mas, ele disse que só me daria, se eu passasse de ano e que eu tinha que me virar até chegar esse dia — contou João. — Meu sonho era ganhar esse aparelho sofisticado e maravilhoso... Lutei por ele e o consegui!... Mas, não foi só isso. Ganhei também uma bicicleta nova para ir para à escola, no próximo ano. Venha comigo, vou te mostrar, ela está lá na varanda, ainda nem andei nela, vou deixar para estreá-la no primeiro dia de aula. Até lá, vou continuar usando a que eu já tenho. Observei a bicicleta nova e gostei muito. Tinha uma cor bonita, era vermelha, com uns detalhes coloridos em alguns dos seus acessórios, o que a enfeitava ainda mais. “Poxa vida, o João está bem pra caramba, passou de ano, ganhou dois presentes maravilhosos... e eu?!...”, pensei amargurado com a minha situação. Não senti inveja, mas sim uma vontade de sonhar também! Então esse era o sonho que ele tinha, mas que não falava pra ninguém!... Bem... pelos menos para mim... — E para o próximo ano, você já tem outro sonho? — perguntei apressado. — Sim, com certeza! — respondeu ele, com firmeza. — E você não tem...? — Ainda não, mas vou arrumar um... — Sonhe meu amigo! Mas, vá em busca, porque sonhar sem trabalho não traz resultados! Não sei porque, mas na hora eu pensei na Adriana. “Será que o meu sonho é namorar com ela?” — pensei. Fiquei um bom tempo ali com o meu colega e fui para minha casa já bem de tardinha. Devo confessar que eu estava bastante desanimado, tristonho e pensativo com tudo. Final de ano e eu naquela situação deprimente!... Mas, eu não podia deixar de observar que, apesar dos pesares, eu ainda tinha tudo pela frente!


É NISSO QUE DÁ 41 Ao chegar em casa, tive uma surpresa enorme, uma coisa que jamais eu imaginaria que me fosse acontecer, àquela altura dos acontecimentos! Fiquei boquiaberto com um presente que mamãe havia comprado para mim! Eu também ganhei uma bicicleta novinha, para voltar a estudar no ano seguinte! Minha mãe deixou de atender vários gostos meus (como a carne do almoço) para economizar centavo por centavo. Só que não era vermelha como a do meu amigo João. Mas, era uma bela bicicleta, grande, com rodas largas, de cor azul, com uns detalhes em branco e amarelo. — É muito linda! Gostei muito do presente e da cor também! Muito obrigado, mãe!... Então a gente se abraçou por um longo tempo, coisa que entre nós já era uma emoção esquecida, pelo menos da minha parte! — Eu estaria mais feliz em te dar este presente, se você tivesse sido obediente a mim e passado de ano... — falou ela, com toda a razão. — Mas, pelo fato de você ter sobrevivido a tudo o que lhe sucedeu... acho que é também um motivo para comemorarmos a vida, não é? Ano que vem, você já faz quatorze anos e, graças a Deus, está vivo aqui comigo! Isso é, sem dúvida, o mais importante! Ao ouvir tal desabafo, eu fiquei tão contente (e ao mesmo tempo tão triste por tudo de errado que eu tinha feito nos dois últimos anos), que não tive muito o que falar para a minha pobre mãe. — Muito obrigado por tudo de bom que a senhora fez por mim!... E peço-lhe que me perdoe por tudo de ruim que eu lhe fiz passar!... Ficamos a conversar amigavelmente por um bom tempo, sendo que um forte laço de amor, carinho e afeto foi reforçado entre nós, a partir daquela tarde. E muitos planos bons fizemos, eu e minha mãe, para os dias futuros. E nos comprometemos a não brigar nunca mais! De minha parte, prometi ser obediente para que não houvesse mais qualquer motivo para vivermos discutindo. Dali por diante, certamente que, eu iria cumprir fielmente o acordo selado entre nós, cuidando dos meus deveres de filho e de aluno!


42 Roberto Mendes CAPÍTULO 7 O ano letivo estava começando a todo vapor e eu, agora, estava sendo o aluno mais dedicado da escola. Ou um dos mais... A minha fome de aprender era voraz e todos os professores estavam muito entusiasmados comigo e me davam o maior apoio. Logo comecei a me interessar pelos livros da biblioteca da escola e a vontade de ler todos era um desejo ardente dentro de mim. Tudo o que eu não havia aprendido e estudado nos dois últimos anos, eu queria aprender agora e para já! Certo dia, eu planejei fazer ao contrário daquele dia em que eu fui convocado para aquela reunião na sala da diretoria, com todos os meus professores da época: então, eu tive a ousadia de convocá-los para uma reunião. Para minha surpresa, não é que eles foram mesmo?! Quando chegou o momento da reunião, na presença de todos aqueles que me haviam aconselhado no ano anterior, eu falei com firmeza e alegria, tanto no coração quanto na alma: — Meus amigos professores, o motivo desta convocação é agradecer-lhes por tudo o que fizeram por mim. Quero lhes dizer que não é uma afronta da minha parte e nem falta de respeito para com vocês. Estou aqui para lhes pedir que me perdoem por todos os constrangimentos que lhes fiz passar... Agora estou disposto a mudar de vida e não voltar a ser nunca mais o que fui nesses últimos dois anos da minha vida, isso eu juro pela minha mãe e por vocês aqui presentes! Tudo o que eu tinha para dizer era isso... Meu muito obrigado a todos vocês, do fundo do meu coração! Todos se levantaram, me aplaudiram e me deram um abraço bem amigável. Aquilo tudo foi demais! Não sei porque, mas acabei chorando de tanta emoção! Aquele dia também já estava na lista de um dos mais felizes da minha vida! Após a despedida, peguei minha “magrela” e segui na companhia do João (que também estava de bicicleta nova) até a casa dele. De lá eu segui para a minha. Agora eu estava feliz por


É NISSO QUE DÁ 43 demais, também tinha sonhos e objetivos na vida, assim como o meu amigo João havia me ensinado. “Para viver bem, a gente precisa sonhar e correr atrás desses sonhos, sem nunca desisti”, pensei emocionado. Havia aprendido uma coisa muito importante: somente alcança o sucesso quem nunca se cansa do fracasso. E por falar em sonho, agora o meu sonho era namorar aquela linda menina dos meus sonhos! Nós tínhamos a mesma idade e eu gostava muito dela! Me atrevia até a dizer que ela também gostava muito de mim! Certo dia, eu esperei por ela na praça da escola e lhe disse ousadamente, depois de cumprimentá-la, é claro: — Adriana, minha querida! Agora eu sou outra pessoa e estou muito dedicado aos estudos, você precisa ver como é que eu estou, menina! Eu não estou nem me reconhecendo ultimamente! Parece que virei um gênio, sabe?! — Que bom, menino! Fico muito feliz em saber que você está assim tão entusiasmado com seus estudos, sabia? — Obrigado, Adriana! — agradeci. — Espero que você não tenha nenhuma mágoa de mim. — E por que eu teria? — Não sei, talvez porque eu tenha sido tão desorientado nesses últimos tempos, sei lá, ou coisa assim... — respondi, meio embaraçado. — Não se preocupe com isso agora, se concentre em seus objetivos e isso é o que lhe importa daqui pra frente, certo? — Certo — concordei. — Queria te falar uma outra coisa, posso? — Sim, mas seja breve, já está na hora de meu pai vir me apanhar para voltar a casa. — E agora, você topa namorar comigo? — fui rápido e objetivo. Ela sorriu-me docemente e falou: — Você não tem jeito mesmo, né?! Olha, vamos fazer um trato, se você realmente me provar que mudou e se passar de ano, no ano que vem a gente volta a se falar desse assunto. Mas, por ora, ficamos do jeito que estamos, só como amigos. Também, só


44 Roberto Mendes se você concordar com as minhas condições, para a gente ficar juntos. — E qual é a condição? — Eu perguntei apressado. — Curioso você, hein menino?! — disse ela e saiu sorrindo ao encontro do pai. A princípio fiquei bastante desapontado, mas logo senti que suas palavras me davam margem para acreditar que ela gostava mesmo de mim. Então, eu passei a me sentir como o homem (melhor dizer, garoto) mais feliz da face da terra.


É NISSO QUE DÁ 45 CAPÍTULO 8 Um ano depois... As coisas haviam melhorado muito em minha vida! Passei de ano com as notas mais altas que eu podia alcançar em todas as matérias. E já estava com uma ideia definida na minha cabeça, eu ia ser mesmo professor de Matemática. Era a matéria que eu mais gostava e já tinha definido o meu futuro. Portanto, já me considerava um matemático muito respeitado na sala de aula, tanto pelos meus futuros colegas de profissão, quanto pelos também futuros alunos. A partir daí, passei a me dedicar à leitura com muito mais afinco. Eu me tornei um dos maiores leitores daquela escola em um único ano. Aliás, eu já havia conseguido ler vinte e três livros, que tomara emprestado à biblioteca da escola. Por assim dizer, onde quer que andasse, lá estava eu com um livro nas mãos! Nem para a Adriana, eu dava mais tanta bola! O meu negócio era estudar, ler bastante e realizar o meu sonho de poder paquerar a Adriana no ano seguinte. Mas, já haviam outros sonhos na minha cabeça: além de querer ter aquela menina bonita comigo, também queria ser professor de Matemática, e dos melhores! E, quanto à minha mãe, agora as coisas lá em casa estavam também para lá de boas! Ela havia se casado e o meu padrasto reformou toda a casa, fez o muro, trocou todos os móveis velhos por outros novos e ainda comprou outros que faltavam. De quebra, ele não deixou mais a minha mãe trabalhar fora como diarista e nem lavar roupas alheias. O que ele ganhava como funcionário de uma fábrica era o suficiente para cuidar dela e bancar as despesas da casa. Isso, de certa forma, estava me deixando muito feliz, porque ela estava muito bem com ele e feliz. Não havia motivo, então, para eu arrumar confusão em casa e tampouco ficar com ciúmes dela!


46 Roberto Mendes Aliás, o meu novo “pai” era mesmo um paizão! Incentivou minha mãe a voltar aos estudos, sendo que ela, agora, estava fazendo um curso de cabeleireira, porque tinha a intenção de montar o seu próprio negócio, ali mesmo na nossa casa. O cômodo para ela trabalhar, inclusive, já estava sendo construído... Agora eu entendia que a minha mãe estava certa de tudo aquilo que ela me falava sempre! Que um dia as coisas iam melhorar lá em casa! Às vezes, ela falava que as portas divinas iam se abrir a qualquer momento na vida dela e tudo ia mudar para melhor, como num passe de mágica. E não é que isso aconteceu mesmo?! Muitas vezes, eu a ouvia pedindo tais bênçãos a Deus em suas orações, mas não botava fé naquilo, porque todos os dias eram as mesmas coisas, as mesmas dificuldades e aquela lida dura que ela levava. No entanto, com o passar do tempo, as portas da prosperidade se abriram realmente na vida dela e (por que não admitir?) na minha também! Ela tinha muita fé e certeza daquilo que queria e acreditava em seus objetivos; por isso é que conseguiu todas as vitórias que desejava. De quebra, acabou me dando uma grande lição de vida e de como vencer todas as dificuldades, com fé e perseverança! Minha vida também não é a mesma. Estou vivendo um dia de cada vez. Subitamente, parei de usar todas as drogas e fui cobrar minha dívida com a Adriana. Ela foi meio astuta e não aceitou namorar comigo como eu queria, mas também não disse que não. Aprendi nestes últimos anos a não desistir e estou firme em nossa paquera, conforme as condições impostas por ela. Um novo ano letivo acabou de começar. Vou concluir a sexta série e ela vai para a oitava. Agora que estamos quase juntos, os meus momentos de estudos ficarão ainda melhor... Ela disse que quer ser psicóloga e nós estamos, então, com nossos sonhos e planos definidos para o futuro. Não estamos namorando, mas o beijo dos meus sonhos acontecerá em breve... Não há dúvidas! Apesar da nossa pouca idade, eu e a Adriana nos amamos de verdade! O futuro não poderá existir sem sonhos!... FIM


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