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Jornal Correio da Manhã - quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

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Rio de Janeiro, quinta-feira, 27 de janeiro de 2022 - Ano CXX - Nº 23.940

Dani Calabresa assume quadro de humor no BBB 22

Podcast investiga poder e avanço das estruturas da milícia

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Adaptação russa do mito de Medeia para o cinema seduz Roterdã PÁGINA 6

Superação e aceitação pela dor

Com trilha original de Carlinhos Brown e dramaturgia de Nilton Bonder, “Cura” de Deborah Colker, volta ao Rio

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eborah Colker dedicou seu tempo, nos últimos anos, a buscar uma cura. No caso, uma solução para a doença genética que seu neto tem, a epidermólise bolhosa. Dessa angústia pessoal nasceu o novo trabalho de sua companhia: um espetáculo que vai além do aspecto autobiográfico. “Cura” trata de ciência, fé, da luta para superar e aceitar nossos limites, do enfrentamento da discriminação e do preconceito. A dramaturgia tem a assinatura do rabino Nilton Bonder e a trilha original do espetáculo tem a grife de Carlinhos Brown. O espetáculo estreou em 6 de outubro de 2021, na Cidade das Artes, e passou por nove cidades, com um total de 48 apresentações, e um público total de 50

mil espectadores. A turnê 2022 estreia hoje na reabertura do Teatro Casa Grande, com sessões de quinta a sábado (20h30) e domingo (19h). Neste ano todas as apresentações do espetáculo terão audiodescrição para deficientes visuais. A coreógrafa conta haver concebido o projeto em 2017, mas foi no ano seguinte, com a morte de Stephen Hawking, que encontrou o conceito. Embora acometido por uma doença degenerativa, a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), o cientista britânico viveu até os 76 anos e se tornou um dos nomes mais importantes da história da física. E Deborah percebeu que há outras formas de cura além daquelas que a medicina possibilita. “Quando foi diagnosticado, os médicos deram a Hawking três anos de vida. Ele viveu mais 50, criativos e iluminados. Entendi o que é a cura do que não tem cura”, reflete.

Leo Aversa/Divulgação

Deborah Colker: ‘Não era apenas da doença física que eu queria falar’

A estreia aconteceria em Londres em 2020, mas a pandemia não permitiu. O adiamento deu ao espetáculo mais um ano de pesquisas, transformações e reflexões. “A pandemia me fez ter certeza de que não era apenas da

doença física que eu queria falar. A cura que eu quero não se dá com vacina”, esclarece. A montagem não poupa o público de mostrar movimentos dilarecentes de dor em suas mais variadas formas, mas há esperan-

ça está lá. Deborah explica que procurou preservar a alegria necessária à vida. Um ingrediente para isso foi a semana que passou em Moçambique durante a preparação, quando conheceu pessoas que não perdiam a vontade de viver, apesar das muitas dificuldades. “Fui procurar a cura e encontrei a alegria”, resume. A coreógrafa incorporou ao espetáculo referências das três religiões monoteístas e elementos de culturas africanas, indígenas e orientais. Logo no início, conta-se a história de Obaluaê, orixá das doenças e das curas. “A ponte entre fé e ciência me ajudou muito. Fui experimentar o invisível, a sabedoria do invisível”, recorda Deborah. Numa cerimônia realizada quando da morte do seu pai, Deborah conheceu o rabino Nilton Bonder, autor de “A Alma Imoral” e muitos outros livros. Ao planejar “Cura”, decidiu convidá-lo para desenvolver a dramaturgia. Dentre tantas contribuições, ele ressaltou que “pedir é curar”, ideia que gerou uma cena. Também apontou que “a grande cura é a morte”, o que motivou uma coreografia com dois bailarinos dançando ao som de “You Want it Darker”, de Leonard Cohen. “O espetáculo apresenta todos os recursos imunitários e humanitários em aliança pela cura. A ciência, a fé, a solidariedade e a ancestralidade são o coquetel de cura do que não tem cura. Concebido antes desta pandemia, o título não é um conceito, mas um grito”, comenta Bonder. Continua na página seguinte

CONTINUAÇÃO DA CAPA

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Quinta-feira, 27 de janeiro de 2022 Leo Aversa/Divulgação

CORREIO CULTURAL Divulgação

Para João Elias, co-fundador da Cia., ‘Cura’ é um espetáculo com mais visceralidade que os anteriores do grupo

O cantor e compositor é fonte inspiradora permanente do bloco carioca

Djavan faz aniversário e recebe homenagem do Flor de Lis Djavan completa hoje 73 anos. O bloco Flor de Lis, que pega o nome emprestado de um sucesso do grande compositor, lança nesta manhã, em suas redes um clipe do clássico “Açaí”, a música ganhou arranjos inéditos de músicos que o acompanharam Djavan ao longo de décadas.

Criado em 2018, em Bangu, o bloco se dedica exclusivamente à obra de Djavan e na pandemia realizou uma série de lives, possibilitando encontros de personagens essenciais para a obra de Djavan, como o resgate da lendária banda Sururu de Capote, que retorna aos palcos este ano.

Mente revirada

Substituição

A pandemia mexeu com a mente de Bradley Cooper, tanto que ele revelou em conversa com o colega Mahershala Ali que cogitou se aposentar da atuação. Diz que recuou depois de convite irrecusável do cineasta Paul Thomas Anderson.

Adele será substituída pelo músico country Keith Urban em algumas das apresentações que precisou desmarcar. Recentemente, a cantora chorou ao publicar vídeo em que revelava que metade de sua equipe estava com covid.

Catálogo

Palestra

A Casa Roberto Marinho lançará sábado o catálogo da exposição realizada em parceria com o Instituto Burle Marx, ‘O Tempo Completa: Burle Marx, Clássicos e Inéditos’, que já levou mais de 15 mil pessoas ao local desde sua abertura.

A primeira bailarina do Theatro Municipal, Nora Esteves, dará palestra hoje, às 18h, no anexo do Theatro. Nora vai contar a sua trajetória, destacar o empoderamento da bailarina e o desenvolvimento mental e emocional para o artista.

Mais forte que a dor Deborah Colker revela que Carlinhos Brown fora convidado, inicialmente, para compor apenas o tema de Obaluê. No entanto, envolveu-se com o trabalho ao ponto de criar praticamente toda a trilha sonora de “Cura”, inclusive a canção inicial, dos versos “Traga meu sorriso para dentro” e “Sou mais forte do que a minha dor”. “A música veio na minha cabeça logo depois da primeira conversa com Deborah. Eu pensei: ‘Isso é um chamado, não é uma trilha normal’. É um trabalho muito mais profundo do que aquela coisa de ‘Carlinhos está fazendo uma trilha’”, enfatiza o compositor. O artista canta em português, em iorubá e até em aramaico. Os 13 bailarinos também cantam, em hebraico e em línguas africanas. É algo que acontece pela primeira vez nos 27 anos de história da companhia de Deborah Colker, observa a coreógrafa. Fundador da companhia ao lado de Deborah, o diretor executivo João Elias vê em “Cura” um passo ainda maior que o dado pela coreógrafa no trabalho anterior, “Cão sem Plumas” (2017), baseado no poema homônimo de João Cabral de Melo Neto. “Quando começou a coreografar, Deborah era mais abstrata, formal. Depois, passou a contar histórias, aprimorar dramaturgias. ‘Cão sem Plu-

Eu pensei: ‘Isso aqui é um chamado, não é uma trllha sonora normal’” Carlinhos Brown mas’ já era um espetáculo visceral, emocionante. ‘Cura’ é ainda mais, mostra um grande amadurecimento”, analisa. Companheiro de Deborah em toda a trajetória, o cenógrafo e diretor de arte Gringo Cardia é outro que destaca a importância de “Cura” para a artista. “Ela era toda ciência. Passou por um crescimento espiritual. Foi conversar com Deus neste espetáculo”, observa. Sua assinatura está nas duas rampas que dão aos movimentos dos bailarinos a sensação de desequilíbrio. E também está nas cai-

xas que, entre várias funções, formam um muro. “O muro passa a imagem de um grande obstáculo, mas ele se divide em vários pedaços. Então, é possível atravessá-lo. É como a gente faz nas nossas vidas”, ressalta Gringo. Nos figurinos de Claudia Kopke – que esteve com Deborah em “Cão sem Plumas” – as pernas podem ter estilos bem diferentes, traduzindo o desequilíbrio que é um dos nortes do espetáculo. “ Os bailarinos têm as cabeças cobertas, usam balaclavas, mas o final é dourado, de alegria”, destaca. O iluminador Maneco Quinderé, que só havia trabalhado com a companhia em “Vulcão” (1994), também criou uma luz fragmentada, como sugerem as ideias de “Cura”. O final tem brilho, indicando renascimento. “ Cada segmento tem suas características, e eles formam um caleidoscópio”, avisa. SERVIÇO CURA Teatro Casa Grande (Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon) Quinta a sábado (20h30) e domingo (19h) Ingressos: R$ 200 (plateia e camarote), R$160 (balcão), R$ 50 (promocional) - Eventim (https://www.eventim.com.br/ artist/cura/).

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TELEVISÃO

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‘É o melhor trabalho do mundo, não é?’ Fã de carteirinha do reality show, Dani Calabresa estreia em quadro do BBB 22 Quem ligar para o CAT BBB neste ano, vai ouvir uma voz diferente do outro lado da linha. O quadro de humor, que simula uma central de atendimento aos telespectadores do BBB (Globo), passou a ser comandado por Dani Calabresa. A humorista ocupou a vaga que era de Rafael Portugal, que fez sucesso nas últimas duas edições do reality show, mas não chegou a um acordo com a emissora para retornar neste ano. Portugal, inclusive, aproveitou a saída para alavancar

Divulgação TV Globo

projetos pessoais como o espetáculo teatral “Eu Comigo Mesmo”, em cartaz no Rio e que se prepara para rodar o país, e a comédia cinematográfica “Juntos e Enrolados”, com Cacau Protásio. A estreia de Calabresa foi no programa de terça-feira, antes da primeira eliminação do BBB 22. “Foi um momento de descontração e brincadeiras com os participantes, logo antes do primeiro paredão do BBB 22. Foi muito divertido gravar”, afirmou, ao comentar sua primeira participação num dos quadros mais populares do reality show. “Estou feliz com a oportunidade de assumir o quadro, que é muito divertido e representa o público”, diz a comediante. “A gente fala na TV tudo que está na cabeça de quem está assistindo.” Ela está numa posição muito confortável por já ser fã de longa

data do programa. “Quando perguntam como eu me preparo para o meu trabalho, a minha resposta é ‘assistindo ao BBB’. Melhor trabalho do mundo, não é? (risos)”. A comediante elogiou as pessoas que trabalham no quadro com ela e também avaliou o apresentador Tadeu Schmidt, que também estreou neste ano no programa. “Quero mandar um beijo para o Tadeu, que está arrasando. Que escolha certeira! Estou vibrando assistindo ao desempenho dele.” Nesta temporada, os assinantes do Globoplay, serviço de streaming da Globo, podem participar do quadro mandando áudios para os canais do programa. Isso pode ser feito por Whatsapp, mandando “oi” para o número (21) 99821-2619, ou acessando a página globoplay. com/whatsapp.

O CAT BBB está de volta, agora sob comando da humorista Dani Calabresa

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PODCAST

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A anatomia do crime à carioca

Divulgação

Podcast ‘A República das Milícias’ traça painel da estrutura do crime organizado Em dado momento, o entrevistado diz ao jornalista que o Rio de Janeiro é a capital e a referência da inteligência criminosa no Brasil, ao que este completa: “Das inovações culturais em geral, né?”. Essa é uma das passagens que melhor exemplifica a abordagem de “A República das Milícias”, podcast do jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso,

interessado na elucidação do sistema criminal e em suas raízes, que brotam de uma cultura a um só tempo passional e violenta. O podcast é uma adaptação do livro homônimo do autor, publicado em 2020, e tem o objetivo de explicar o que faz da maioria dos moradores do Rio vítimas de uma guerra particular.

Bruno Paes Manso é o idealizador de ‘A República das Milícias’

Na ocasião citada, o entrevistado Reginaldo Lima explica que desempenha a função de mediador numa espécie de “Guerra dos Tronos”, ou “Game of Thrones” carioca, em que o território do Rio

é constantemente disputado entre facções do tráfico e da milícia associadas ao jogo do bicho. Porém, se “Game of Thrones” é uma boa metáfora para definir o conflito criminal da cidade, é bom

estar ciente de que, das violências descritas pelos entrevistados, nada é linguagem figurada. Os relatos de tortura, execução ou punição impressionam. Ao longo de oito episódios, disponíveis nas plataformas de streaming, Manso traça um retrato que nega respostas simples. Quando parece estar completo o glossário do crime carioca logo surge uma nova cena brutal que confunde ainda mais o que parecia estabelecido. Em vez de uma aula sobre bandidagem, “A República das Milícias” é uma investigação a respeito do poder da violência e do dinheiro no Brasil, sem deixar de articular alguns dos problemas sociais mais agudos do país como machismo, racismo, autoritarismo, corrupção e desigualdade econômica.

CINEMA

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A tragédia

da indiferença A solidão é o norte de Medea, produção russa que se destaca em Roterdã

Roterdã aplaude versão cinematográfica russa do mito grego de Medeia, que desafia convenções teatrais Por Rodrigo Fonseca Especial para o Correio da Manhã

Roterdã, primeiro dos grandes festivais de cinema do mundo na ordem do calendário dos eventos cinéfilos, agendado sempre para o fim de janeiro, na Holanda, abriu suas portas se derretendo para um experimento narrativo russo com um pé no cinema, outro no teatro, e a cabeça voltada para os desarranjos da condição humana: “Medea”. É o trabalho mais recente de Alexander Zeldovich, egresso de Moscou. Filmando sazonalmente desde 1986, sempre lembrado por “Moskva” (2000), ele estreou essa releitura da tragédia grega homônima no 74º Festival de Locarno, na Suíça, em agosto, desafiando as convenções das encenações teatrais, a fim de discutir se o formato de conexão dos mortais com os deuses, criado na Grécia à semelhança do canto de

bodes, pode funcionar como um gênero cinematográfico. Aos 62 anos, o cineasta moscovita faz esse desafio numa reflexão sobre as potências femininas em uma realidade assolada pelo sexismo. Seu novo longa-metragem se reporta ao mito da mulher que mata os filhos para mexer com os brios do marido. Na versão do diretor – brilhantemente conduzida em planos austeros, de câmera fixa – saímos da Grécia dos oráculos e caímos em terras eslavas, acompanhando o arrependimento de uma Medeia tatuada, vivida por Tina Dalakishvili. Sua atuação é estonteante “A palavra ‘Rússia’, em si, é um signo feminino, em uma nação em que as mulheres lideram muitas famílias. Mas, aqui, temos uma mulher que perdeu o leme de sua vida e se vê diante de uma sensação de vazio, de desconexão”, define Zeldovich ao Correio da Manhã.

Ao longo de 139 minutos, Medeia purga todos os seus arrependimentos enquanto tenta se entorpecer para aliviar suas dores. “O filme não revisita o mito pela fatalidade, pela veleidade do Destino, numa vaidade do Acaso, preferindo se debruçar sobre o irreversível da vida, sob a percepção de que cada momento pode ser decisivo, crucial para uma vida. E tento ainda falar sobre uma sensação social de desamparo”, diz Zeldovich, afirmando ter misturado elementos fabulares a um registro realista claustrofóbico. “É um olhar sobre isolamentos”. Na conexão com a dimensão mítica dos gregos, Zeldovich diz que é preciso analisar a ideia de destino a partir do que o cotidiano nos revela, tanto sob uma dimensão espiritual quanto por uma dimensão física. “Usei uma coreógrafa, do teatro, para conduzir os movimentos da atriz, in-

clusive nas cenas de sexo, orientando onde ela deveria encaixar a perna e mover a mão, como num balé, uma dança sinuosa, mas construída racionalmente. Um balé capaz de traduz biologicamente o que somos”, diz o diretor. “Medeia é movida pelo instinto”. Um outro filme eslavo se impõe como um ímã de aplausos na seleção de Roterdã: “The Execution”, de Lado Kvataniya. Sua tensa trama mostra que o fim da URSS trouxe à tona a existência de uma série de psicopatas eslavos, cujos feitos não foram devidamente estudados. Seu roteiro tenta entender o legado de psicopatia nas civilizações eslavas traduzindo-o como uma narrativa em forma de thriller psicológico. É um thriller imersivo, que pula pra frente e pra trás no tempo ao investigar o passado soviético, a partir de 1990, quando o detetive Issa

Davydov está celebrando sua promoção. Ele sabe que o bloco político onde cresceu e fez carreira está com os dias contados, mas seus serviços em prol da Lei são eficientes. Mas sua retidão inabalável é desafiada quando ele recebe uma chamada relatando um crime que se parece exatamente com os do assassino em série famoso que ele capturou alguns anos antes. Um dos principais destaques do Brasil em Roterdã este ano é “Paixões Recorrentes”, de Ana Carolina. Xará da cantora mineira, a diretora de “Mar de Rosas” (1978) fala de um grupo de pessoas, de diferentes nacionalidades, discutem o estado do mundo em uma pequena praia no sul do Brasil, no dia que marca o início da Segunda Guerra Mundial. Neste remoto recanto de areia, todos eles defendem suas ideologias que foram superadas pela realidade.

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CINEMA

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CRÍTICA / FILME/ SPENCER

Elefante em uma loja de porcelanas Divulgação

Por Inacio Araújo (Folhapress)

“Spencer” começa como um pesadelo. Numa estrada secundária, o carro esporte de Diana Spencer avança velozmente - até que de repente, ela percebe estar perdida. Entra em um restaurante popular, bem popular, e pergunta onde está, diante das pessoas pasmas com a presença de Lady Di naquele lugar. E segue, capota aberta, em ritmo de verão. Adiante descobre que está nos lugares em que foi criada, quase diante da casa de sua família. Comenta que tudo mudou. Mas nada pode ter mudado. Não há nada ali para mudar. Até o espantalho que seu pai colocou no campo permanece com o mesmo casaco. Pouco depois, chega ao palácio onde deve passar o Natal. Aos

poucos, o tom onírico desaparece. Na medida em que é possível fazer sumir o tom onírico das coisas da monarquia britânica, bem entendido. Dali em diante, o pesadelo de Diana se torna mais real. O desajuste entre ela e as convenções do palácio é evidente -os vestidos já estão designados e etiquetados, cada um para cada ocasião. Os horários são coisa sagrada. E por aí vai. O desencontro não poderia ser mais completo: Diana é mostrada como uma burguesa. Ou um elefante em loja de porcelana, tanto faz. O principal achado de “Spencer” é colocar Lady Di dentro daquilo em que todos pensavam que ela estava: um sonho. Mas o sonho para ela é feito de puro horror - o desdém ultrajante do marido, os olhares impiedosos da rainha, a rigidez dos

Kristen Stewart encarna Diana em toda sua situação de desconforto real

hábitos. A obrigação de sorrir para as câmeras. Tudo a atinge. É bem assim que Diana se vê no filme de Pablo Larraín: uma estranha com o pescoço a prêmio na Casa de Windsor. É esse olhar que faz a originalidade do filme. Larraín coloca Diana atravessando imen-

sos corredores, sempre sozinha, de modo que eles parecem ainda mais imensos. Quando chega a uma sala - é sempre a última -, é para receber o olhar de reprovação da rainha. Como diz seu marido, na realeza é preciso ser dois: a figura pública e a privada. Diana não se dá

muito bem no papel. E como ser diferente? No palácio espera-se que cada conviva engorde 1,5 kg durante as festas natalinas. Ela, com sua bulimia, vomita tudo o que come com a voracidade de quem expele de si a realeza britânica. É a duplicidade que ela parece rejeitar, essa convivência entre sonho e realidade que os outros suportam olimpicamente, no retrato que lhe pintam Larraín e Kristen Stewart. Esta parece ser a intérprete ideal para Diana. Desde seu reinado como a heroína da série “Crepúsculo”, parece decidida a fazer carreira entre a Europa e a América independente, deixando de lado Hollywood sempre que pode. Em certos aspectos, a casa real britânica e a realeza do cinema parecem ter bastante em comum.

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