ESTUDO ARQUITETÔNICO E HISTÓRICO-CULTURAL DE ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DA LINHA-TRONCO E DO RAMAL PONTA PORÃ DA ESTRADA DE F Flipbook PDF


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Estudo arquitetônico e histórico-cultural de estações ferroviárias da Linha-Tronco e do Ramal Ponta Porã da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) em Mato Grosso do Sul Organizadores: Bruno Silva Ferreira Joelma Fernandes Arguelho


Organizadores: Bruno Silva Ferreira Joelma Fernandes Arguelho Arquitetos e Urbanistas: Alexandre Lelis Arantes Ana Carolina Delphino Rodrigues Bruno Silva Ferreira Eduardo Roberto Melo da Silva Joelma Fernandes Arguelho Paulo Farias Engenheiro Ambiental: Victor Azevedo Faria Historiadores: Douglas de Oliveira Nobre Elaboração da Apresentação João Henrique dos Santos Elaboração do histórico da Estação Ferroviária de Campo Grande, no Capítulo V Rodrigo Pedroso Fernandes Elaboração dos textos históricos dos capítulos Antropóloga: Edivania Freitas de Jesus Realização e transcrição das entrevistas (disponível em formato digital) Apoio: Helena Marques Joice Fernandes Arguelho Fotografia: Bruno Silva Ferreira Diagramação: Fernando Pissuto Trevisan Revisão: Francisco Leandro Oliveira Queiroz Apoio Museu Ferroviário Regional de Bauru Prefeitura Municipal de Três Lagoas Prefeitura Municipal de Água Clara Prefeitura Municipal de Ribas do Rio Pardo Prefeitura Municipal de Campo Grande Prefeitura Municipal de Sidrolândia Prefeitura Municipal de Maracaju Prefeitura Municipal de Ponta Porã AFAPEDI - Associação dos Ferroviários, Aposentados, Pensionistas, Demitidos e Idoso Estudo arquitetônico e histórico-cultural de estações ferroviárias da linha-tronco e do ramal Ponta Porã da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) em Mato Grosso do Sul / organização Bruno Silva Ferreira; Joelma Fernandes Arguelho. Campo Grande: Fundo de Investimentos Culturais de MS, Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, 2022. v.1 : il. color. ISBN 978-65-00-58563-6 1. Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – Arquitetura 2. Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – História 3. Estações ferroviárias I. Ferreira, Bruno Silva. II. Arguelho, Joelma Fernandes III. Título. E79 Ficha Catalográfica


Volume 1 O GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL APRESENTA: DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Estudo arquitetônico e histórico-cultural de estações ferroviárias da Linha-Tronco e do Ramal Ponta Porã da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) em Mato Grosso do Sul PROJETO INCENTIVADO PELO FUNDO DE INVESTIMENTOS CULTURAIS – FIC/MS


prefácio Este livro parte do fato de a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB) ser o maior complexo ferroviário tombado, sendo, portanto, reconhecido como elemento fundamental do patrimônio cultural sul-mato-grossense. Sua relevância se estende para os estados e municípios por onde passa. Em Mato Grosso do Sul (MS), existem dois grandes trechos da EFNOB: a linha-tronco (que nasce em Bauru, passando por Três Lagoas e chegando a Corumbá, fronteira boliviana) e o ramal Ponta Porã (conectando a capital Campo Grande a Ponta Porã, fronteira paraguaia). O estudo se propôs a realizar o levantamento arquitetônico e histórico-cultural das principais estações ferroviárias do estado, de forma a subsidiar ações que visem à preservação desses bens tombados e à salvaguarda da memória das pessoas que ali viveram (ou, em alguns casos, ainda vivem), que representam um marco na história de MS. Nesse contexto, salienta-se que a pesquisa surgiu, sobretudo, da necessidade de explorarmos, com maior profundidade, a importância dessas estações para o desenvolvimento dos municípios de MS, considerando que a formação histórico-cultural do estado se mistura com a própria história da EFNOB na região. Ademais, quisemos registrar a situação atual dessas edificações, quanto à conservação e à preservação. Inicialmente, foram escolhidas 15 (quinze) estações, com base em dois fatores: critérios de relevância adotados pela própria administração da EFNOB e critérios de importância para o desenvolvimento dos municípios no período de atividade da ferrovia. Em seu planejamento, com base na distância de uma para outra, a administração da EFNOB escolheu 09 (nove) estações como principais (MS-1550, MS-1588, MS-1598, MS-1613, MS1615, MS-1628, MS-1636, MS-1637, MS-1648), conforme descritas em seus mapas, entre os anos de 1950 e 1960. No escopo deste trabalho, dentre as estações acima elencadas, houve a necessidade de reduzir a sua quantidade. Optou-se por trabalhar com 5 (cinco) estações, excluindo a de Aquidauana (MS-1613), a de Corumbá (MS-1615), a de Miranda (MS-1628) e a de Porto Esperança (MS-1648), sendo que esta última já não constava na proposta inicial, devido à dificuldade de acesso. Quanto à relevância para o desenvolvimento dos municípios, foram mantidas as 7 (sete) estações ferroviárias (MS-1580, MS-1596, MS-1597, MS-1599, MS-1600, MS-1601, MS1635), considerando a importância para o desenvolvimento dos municípios diretamente envolvidos e para as suas imediações, dentro do perímetro urbano ou lindeiros (no caso da capital). Devido aos diversos aspectos históricos e culturais que permitem (re)constituir o patrimônio cultural do estado, é importante observar o processo histórico de Mato Grosso do Sul e sua formação cultural, a partir da existência da ferrovia, compreendendo os elementos que estiveram presentes (como os diversos processos migratórios) na época, e que hoje permanecem como pontos de tradição histórica e cultural. Bruno Silva Ferreira Joelma Fernandes Arguelho 03


Muito já se escreveu sobre a longa e tortuosa trajetória da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (EFNOB). Sem dúvida, é uma história riquíssima, que envolve centenas de pessoas, em diversas cidades brasileiras, que tiveram suas vidas modificadas devido a um empreendimento tão grandioso. Seus mais de 1.600 km de extensão total não representam o tamanho das mudanças que ocorreram nas cidades em que a Noroeste do Brasil (NOB) passou. São transformações que vão além das óbvias alterações materiais, atrelando-se também a mudanças imateriais, mas tangíveis, como a cultura local. Para elaborarmos essa abordagem, não podemos compreender a NOB apenas como um empreendimento físico (prédios, locomotivas, trilhos etc.). Precisamos pensar, também, o que ela representa hoje e como podemos assimilar o que sobrou dela como patrimônio regional, dando sentido e significado para a sociedade atual. Como mencionado, a história da NOB no sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul) se confunde com a história regional de diversas cidades. Por muitos anos, a Estrada de Ferro povoou o imaginário popular, dando sentido à esperança de progresso, efetivando as comunicações e dinamizando o transporte de cargas e passageiros para os grandes centros comerciais da época. Era a “civilização” chegando ao “Oeste”. De certa forma, não podemos afirmar que a NOB cumpriu seu papel de levar o desenvolvimento de forma igualitária para todas as cidades pelas quais passou. No entanto, não podemos negar que povoados e pessoas cresceram e prosperaram com a ajuda dos trilhos e todas as benesses que a Ferrovia pôde trazer. Para entendermos uma das questões centrais, sobre a importância do patrimônio ferroviário da antiga NOB e sua relação com a história e a memória da sociedade, seria de extrema importância buscarmos as origens e o contexto que a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil chegou ao sul de Mato Grosso. A ideia de se construir uma estrada de ferro que ligasse Mato Grosso a outras províncias surgiu muito antes das primeiras locomotivas de fato circularem. Vários projetos foram pensados, principalmente no pós-guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, em que problemas de locomoção para áreas longínquas do país ficaram evidentes. Foi somente no início do século XX, já no governo do presidente Rodrigues Alves, que a NOB teve seus primeiros trilhos construídos. De grande volume foram os debates sobre as cidades que a Ferrovia passaria, como, por exemplo, um trajeto “Rio-Goiás-Cuiabá” (QUEIROZ, 1997, p. 113), ou uma rota Uberaba-Coxim, de uma concessão já cedida anteriormente ao Banco União de São Paulo. Além disso, “partindo de Uberaba a ferrovia de Mato Grosso iria ligar-se não apenas à rede ferroviária paulista (através da Companhia 05 APRESENTAÇÃO NOB: para além de uma ferrovia no passado


Mogiana) como também à rede mineira e, através dessa, à rede fluminense (…) beneficiando produtores mineiros e cariocas (QUEIROZ, 1997, 111). Em empreendimentos da magnitude de uma estrada de ferro com a quilometragem da NOB, é evidente que, na simples definição das cidades que seriam contempladas com as estações, os debates seriam acalorados e o jogo político também entraria em cena. Nesse sentido, os paulistas se saíram vitoriosos. Em julho de 1905, os primeiros trabalhadores já estavam em Bauru-SP, antes mesmo da definição do traçado final para Corumbá, que ocorreria somente em 1907. Se a estabilidade política e econômica ajudou a definir São Paulo como início da Estrada de Ferro, um motivo semelhante, mas no sentido oposto, inflamou ainda mais a necessidade de a rota seguir para Mato Grosso, pois havia uma “grave instabilidade política” (QUEIROZ, 2010, p. 10). Na época, aliás, praticamente era consenso que deveria existir uma ferrovia que ligaria Mato Grosso, justamente para integrar a região ao resto do país. Podemos observar, na definição da integração de Mato Grosso com a estrada de ferro, certos resquícios de uma mentalidade colonial expansionista. As ideias de crescimento para um oeste longínquo (far west), a busca de riquezas materiais inimagináveis e o desbravamento e delimitações de fronteiras ainda estavam presentes na sociedade brasileira do período, mesmo que essas ideias tenham sido “importadas” de outras partes do mundo. Por sua vez, os trens eram ferramentas essenciais para pôr em prática tais ideais, afinal “seriam capazes de levar a civilização e a riqueza aos pontos mais distantes” (CASTRO, 1993, p. 5). Contudo, mesmo que a intenção inicial de se levar uma estrada de ferro para Mato Grosso tenha sido simplória, não podemos esquecer que a NOB teve função estratégica, econômica e militar no seu período, até o seu apogeu. Incumbências essas que foram se degradando com o passar dos anos, chegando ao século XXI como uma sombra do que realmente foi. Para que possamos compreender de forma mais abrangente, precisamos nos aprofundar no discurso sobre o conceito de memória ferroviária e os instrumentos de preservação. Quando realizamos viagens pelo estado de Mato Grosso do Sul, é possível passar próximo de muitas edificações que remetem à época de ouro das ferrovias brasileiras. O que a maioria das pessoas desconhece, principalmente a geração mais nova, é o quanto a Ferrovia transformou as práticas sociais, culturais e econômicas da região. Os resquícios da passagem do trem pelas terras sul-mato-grossenses, a exemplo das edificações, “como estações, armazéns, rotundas, terrenos e trechos de linha, até material rodante, como locomotivas, vagões, carros de passageiros, maquinário, além de bens móveis como mobiliários, relógios, sinos, telégrafos e acervos documentais” (GOMES & OLIVEIRA, 2022, p. 374), encontram-se em, sua grande maioria, abandonados. Apesar de sua NOB: para além de uma ferrovia no passado 06


importância histórica, estão descaracterizados, cobertos pelo mato ou até mesmo em ruínas – salvo exceções, assim como todas as outras manifestações, tangíveis e intangíveis, que compõem um grande acervo de patrimônio cultural, o ferroviário. No entanto, para que(m) serve um patrimônio? Para que possamos responder, é necessário conceituar o que é patrimônio cultural. De acordo com o artigo 216, da Constituição Federal de 1988: Ou seja, o patrimônio cultural está atrelado ao valor afetivo ou simbólico. Trata-se, então, de significados, valores, consciências, desejos e aspirações de um grupo, uma comunidade (SECTUR, 2019). Lemos (2010) contribui para uma melhor compreensão desse tema, a partir de suas leituras, ao dividi-lo em três categorias, a saber: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticos culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Parágrafo 1º – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação. Parágrafo 4º-Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.¹ O primeiro grupo arrola os elementos pertencentes à natureza, ao meio ambiente. São os recursos naturais, que tornam o sítio habitável. (…) A paisagem orienta e está plena de símbolos, de marcos, de pontos de referência, de encruzilhadas, que dirigem o viajante que passeia pela natureza estando sempre em casa. O segundo grupo de elementos refere-se ao conhecimento, às técnicas, ao saber e ao saber fazer. São os elementos não tangíveis do Patrimônio Cultural. Compreende toda a capacidade de sobrevivência do homem no seu meio ambiente. Ou seja, para sobreviver, transforma a natureza usando sua criatividade e suas técnicas. O terceiro grupo de elementos é o mais importante de todos porque reúne os chamados bens culturais que englobam toda sorte de coisas, objetos, artefatos e construções obtidas a partir do meio ambiente e do saber fazer (LEMOS, 2010, p. 4). NOB: para além de uma ferrovia no passado 07 Agora, podemos aprofundar as discussões acerca do patrimônio ferroviário e refletir sobre sua importância para o desbravamento, a ocupação, o desenvolvimento científico-tecnológico e para a memória social dos sul-mato-grossenses. O patrimônio ferroviário está ligado a uma categoria de estudos que se chama patrimônio industrial. O conceito de patrimônio industrial passa a ser definido como: [...] os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Esses vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns,


É possível proteger e salvaguardar um patrimônio cultural de diferentes formas. As mais conhecidas são o tombamento (ato administrativo realizado pelo poder público, com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados) e o registro (instrumento legal de preservação, reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial do Brasil, composto por bens que contribuíram para a formação da sociedade brasileira)². Esses processos administrativos podem ocorrer nas três esferas: municipal, estadual e federal.³ Com a extinção da RFFSA,⁴ foi atribuída ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a responsabilidade de receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, bem como zelar pela guarda e manutenção desses itens da antiga rede. Uma das premissas do Governo Federal era a preservação e difusão da memória ferroviária. Considerando o grande número de bens móveis e imóveis deixados pela antiga rede, foi instituída, por meio da Portaria Iphan nº 407/2010, a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário (LPCF).⁵ Assim sendo, tanto a Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, quanto a supracitada Portaria compreendem a memória ferroviária e o patrimônio ferroviário como equivalentes, e que todo e qualquer elemento físico relacionado à Ferrovia gerou alguma memória. Para além disso, Prochnow (2015) reitera que: Apesar de destacarmos o conceito de patrimônio industrial oriundo da Carta de Nizhny Tagil, é importante ressaltar que ela não menciona o intangível dos bens industriais, atrelado às memórias e à vida social dos trabalhadores e de suas respectivas comunidades. Essas práticas estão diretamente ligadas à dimensão do material, ou seja, o patrimônio cultural imaterial é indissociável dos bens materiais (FREIRE, 2015). Tudo que ficou, após a extinção da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), em 2007, reflete um enorme legado, para a história da arquitetura, da engenharia e da técnica. Assim, ao estudar a passagem do trem, é possível compreender a formação identitária dos lugares, a construção das memórias coletivas, as tradições e os hábitos locais. Você não preserva o patrimônio industrial, ou no caso o ferroviário, pela monumentalidade ou singularidade. Não é só isso que dá valor ao patrimônio. (…) O patrimônio industrial representa o testemunho de atividades que tiveram e que ainda têm profundas consequências históricas. As razões que justificam a proteção do patrimônio industrial decorrem essencialmente do valor universal daquela característica, e não da singularidade de quaisquer sítios excepcionais (CARTA DE NIZHNY TAGIL, RÚSSIA, 2003). NOB: para além de uma ferrovia no passado 08 centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação (CARTA DE NIZHNY TAGIL, RÚSSIA, 2003).


Em Mato Grosso do Sul, os bens que foram valorados e passaram a fazer parte da LPCF, são: “as estações ferroviárias de Aquidauana, Taunay, Porto Esperança, Piraputanga, Corumbá e Miranda; duas residências em Campo Grande; e dois terrenos, também na capital Sul-mato-grossense” (OLIVEIRA, 2018, p. 24). Em qualquer uma dessas ferramentas de proteção, o que é levado em consideração são as questões identitárias, responsáveis por tornar o campo do patrimônio cultural em um espaço de confrontos e conflitos, avaliações e valoração, em que os valores apontados pelos órgãos de proteção podem ser recusados, transformados ou aceitos pela população, mas jamais podem ser impostos. O patrimônio cultural não se remete somente ao passado, ao que foi perdido ou a um campo com fronteiras demarcadas e fixas. “Esse passado não existe fora dos objetos e é de interesse cultural enquanto ainda presente e podendo ser futuro” (GONÇALVES, 2007 apud AMÂNCIO, 2015, p. 30-31). Para que ele exista e seja protegido e salvaguardado, é preciso conhecê-lo, compreender que representa memórias e identidades da comunidade que o abriga. Mesmo os lugares desativados, que não foram valorados ou protegidos através de processos administrativos de tombamento, continuam sendo evidências históricas sobre a contribuição da Ferrovia, para o desenvolvimento tecnológico ou urbano da vida social daqueles que se dedicaram na sua construção e para as comunidades que cresceram em seu entorno. Assim, permaneceram, ao longo do tempo, “carregadas de representações simbólicas e de memórias que permitem compreender sua leitura relacionada aos demais componentes da rede” (FREIRE, 2015, p. 41). O processo de estudo percorre as estações, com o objetivo de entender o estado de conservação atual, além de fazer um levantamento arquitetônico e histórico dos locais. Ao cruzar os trilhos, é interessante notar que os prédios, equipamentos e ferrovias não são apenas objetos feitos de madeira, ferro e concreto. Nas suas estruturas, estão enraizadas histórias e memórias, de homens e mulheres que dedicaram suas vidas ao projeto da NOB, mesmo que lhes custassem sangue, suor e lágrimas. É nesse contexto, de entender o legado que resistiu da NOB e de seu patrimônio, que o presente estudo se faz necessário. Pode-se considerar o conceito ou categoria memória ferroviária como fiel à história monumental e tradicional, pois generaliza as especificidades com o objetivo de criar um discurso de unidade sobre um passado que foi heterogêneo, confundindo recordação, que é uma vivência direta e gera uma memória direta, com a imagem do passado, que não possui um testemunho sobre o fato. A generalização sobre o conceito de memória ferroviária objetificou uma política de preservação de grande envergadura, que pressupõe haver uma memória ferroviária em todos os lugares e que ela é facilmente associada a quaisquer valores (histórico, artístico, paisagístico, arquitetônico, belas artes, memória etc.). Tal qual a memória coletiva, a memória ferroviária é uma totalização, uma invocação ao todo, que em sua enunciação pretende obter certa adesão social, ainda mais quando seu uso pressupõe uma importância imanente que deriva de sua proteção como patrimônio. NOB: para além de uma ferrovia no passado 09


Fonte: Biblioteca Digital Luso-Brasileira. Página inicial do Tratado de Tordesilhas 1495. Planisfério de Cantino, indicando o meridiano acordado no Tratado de Tordesilhas 1502. 10


NOB: para além de uma ferrovia no passado NOTAS ¹ Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2020. ² Para saber mais sobre formas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, acesse o site: . ³ A exemplo do Complexo Ferroviário de Campo Grande, protegido administrativamente nas três esferas: Lei municipal nº 3.249, de 13 de maio de 1996; Lei estadual nº 1.735, de 26 de março de 1997, e Portaria nº 20, de 25 de fevereiro de 2014, que homologa o tombamento na esfera nacional. ⁴ Medida Provisória n.º 353, de 22 de janeiro de 2007, convertida na Lei n.º 11.483, de 31 de maio de 2007. ⁵ Para inscrição na Lista, os bens são avaliados pela equipe técnica de cada superintendência estadual do Iphan, onde estão localizados, passando posteriormente por apreciação da Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário (CAPCF), cuja decisão é homologada pela presidência do instituto. 11


Capítulo I RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL O avanço rumo ao novo, vasto e incógnito mundo lançou, em águas profundas, naus e navegantes, que, após meses embarcados e acometidos por doenças e naufrágios, incursionavam território adentro, à sorte do confronto com autóctones, víboras e mosquitos. A ocupação europeia em solo americano a partir do século XV dizimou quantidade incalculável de vidas e mobilizou expedições multinacionais em busca de riquezas e terras. A introdução de técnicas e tecnologias náuticas, o conhecimento astronômico e os equipamentos mais precisos, como o quadrante e a balestilha, herdados do mundo árabe e aprimorados pelas escolas de navegação, colocaram Portugal e Espanha como os principais precursores na busca de novas rotas para o Oriente, culminando na chegada e ocupação do novo continente ocidental. Inicia-se, assim, uma corrida acirrada entre portugueses e espanhóis, pela reivindicação de novas terras para suas respectivas coroas. Em 4 de maio de 1493, menos de um ano após a descoberta de Cristóvão Colombo, o papa Alexandre VI publica a Bula Inter Coetera,¹ garantindo aos reinos ibéricos a partilha do “Novo Mundo”. Pelo tratado, Portugal teria a concessão de exploração pelo meridiano a cem léguas do Arquipélago de Cabo Verde, ao leste, em território africano. Por sua vez, Espanha teria a concessão de exploração de todos os territórios a oeste, ao centro e sul da América. Após dois anos de descontentamentos e intempéries entre os dois reinos, D. João II de Portugal reivindicaria outra revisão diplomática no acordo, assinando um novo tratado, o Tratado de Tordesilhas, garantindo trezentos e setenta léguas a leste, anexando boa faixa litoral atlântica da América do Sul, à exploração lusitana. A partir de 1500, com a expedição de Cabral, uma nova onda exploratória agrega franceses, holandeses e ingleses à disputa territorial, em contraposição ao Tratado de Tordesilhas.² O navegador Gaspar de Lemos retorna para Portugal com a Carta de Caminha.³ Em nova expedição, em 1501, embarcado com Américo Vespúcio, inicia o reconhecimento em toda a costa brasileira. Hispanos e lusitanos correm para ocupar o território para além de suas demarcações. O rio da Prata⁴ vai ser a via de inserção espanhola para o interior, rumo à exploração de riquezas e à formação de povoamentos. Entre os anos de 1512 e 1513, os portugueses João de Lisboa e Estevão de Froes adentram ao estuário platino em direção ao interior, não reivindicando terra alguma à Coroa lusitana. Em 1515, uma expedição espanhola composta por três navios, comandada por Juan Díaz de Sólis⁵ e os portugueses Diego Garcia e Aleixo Garcia,⁶ no intuito de encontrar novo acesso ao Pacífico, explora o Prata e o Uruguai,⁷ a oeste. Nas próximas décadas do século XVI, a intensificação de expedições ao interior mobilizará um número incalculável de navegantes espanhóis. 12


Foram fundadas cidades como Buenos Aires,⁸ Santa Fé,⁹ Corrientes,¹⁰ Ontiveros¹¹ e Assunção,¹² a partir do Prata, franqueando os rios Uruguai, Paraguai e Paraná, e seus afluentes, expandindo seus domínios até os territórios argentino, paraguaio, boliviano e peruano. A partir dos anos 1530, inicia-se o parcelamento de terras por meio de capitanias hereditárias¹³ e a adoção do sistema de plantation.¹⁴ Os portugueses, por sua vez, ocupamse da costa brasileira, fundando as vilas de São Vicente, em 1532;¹⁵ Olinda, em 1535, na Capitania de Pernambuco; e Salvador, em 1549, na Capitania da Baía de Todos os Santos. Após a árdua transposição da Serra do Mar, a vila de São Paulo do Piratininga¹⁶ é fundada em 1554. A economia da Capitania de Pernambuco proliferava com a produção da cana-deaçúcar e a comercialização intensa de pau-brasil. A Capitania de São Vicente baseava-se na produção local de subsistência, forçando a incursão de bandeirantes paulistas cada vez mais ao oeste, limítrofe à fronteira hispânica, ora penetrando sertão adentro, ora serpenteando os rios, em busca da expansão dominial lusitana, de índios para mão de obra escrava e novas jazidas de ouro, prata e pedras preciosas. Essas expedições sertanistas eram compostas por até três mil indivíduos (índios escravizados e catequizados, mamelucos e brancos), que percorriam a pé e descalços, ou às vezes em embarcações indígenas, mais de três mil quilômetros, demorando até sete anos para o retorno. Transpunham os limites do Brasil, chegando ao extremo norte, e ao extremo sul, às margens do rio da Prata; e ao extremo oeste, além das margens rio Paraná,¹⁷ estendendo vertiginosamente o território. Foram responsáveis pelo surgimento das capitanias das Minas Gerais, de Matto Grosso e Goyaz. O caráter predatório dessas expedições impactou desastrosamente a população indígena. Avançavam contra as reduções jesuíticas,¹⁸ escravizando índios catequizados e ceifando a vida de padres evangelizadores. Dentre as primeiras dessas expedições foi a de André de Leão, em 1601, partindo de São Paulo do Piratininga, às margens do rio Tietê, e desembocando no rio Paraná, onde chegou ao território espanhol do Guayrá,¹⁹ atacando a missão jesuítica, aprisionando centenas de índios. O Sertão não era o único a impor dificuldades e perigos, a insalubridade da navegação fluvial impunha baixas terríveis às expedições. Contrário à inercia exploratória espanhola, os bem-sucedidos avanços bandeirantes, cada vez mais além em domínio hispânico ao oeste, permaneceram por mais de trezentos anos, estendendo-se além das margens do Paraná, culminando nas margens orientais do Paraguai. Durante os anos 1600, uma quantidade infinda de bandeirantes se ocuparia do imenso território mato-grossense, muitas vezes travando batalhas sangrentas com espanhóis e nativos, destruindo povoados às margens dos rios.²⁰ Em 1647, o paulista Manuel Correia se estabelece à margem esquerda do rio das Mortes,²¹ devastando as aldeias dos índios Araés. Em 1648, Antônio Raposo Tavares e André Fernandes alcançam o rio Pardo, destruindo Santiago de Jerez,²² aprisionando um número reduzido de pessoas que ainda ali permaneciam. No mesmo ano, a expedição destruiu os 13 RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL


povoados às margens do rio Paraguai, arrasando as colônias de Maracaju, Tecañi e Bolaños, reduções jesuítas espanholas situadas entre as serras de Maracaju e Amambai. A constância de assaltos realizados, por uma quantidade incalculável de bandeirantes, aos assentamentos e reduções jesuíticas paraguaias, e o fluxo das expedições ampliaram o conhecimento do território, possibilitando o uso de novos rios como via de inserção rápida. Em 1676, Francisco Pedroso Xavier alcançou as cabeceiras do rio Jejui. Em 1680, Francisco Dias Mainardo e João Mongel Garcês navegaram pelos rios Ivinhema, Amambai e Iguatemi, subjugando os povoados paraguaios ali instalados, atingindo o rio Coxim e o Aquidauana. Enquanto o caráter saqueador e exploratório dos paulistas os distanciava da ocupação efetiva das terras, paraguaios fundavam assentamentos, produziam a terra e possuíam uma logística cada vez mais eficaz para chegar à capital da Colônia, Assunção. É certo que o caráter colonizador das missões colaborou muito para o surgimento desses povoamentos. A Companhia de Jesus, por se tratar de uma ordem fundada por um espanhol e de caráter transfronteiriço, recebeu apoio da Coroa espanhola nas expedições ultramarinas. No final das duas últimas décadas do século XVII, considerando a gigantesca extensão que o elemento brasileiro percorreu, o labirinto de rios e trilhas, que levava ao oeste, não mais poderia abrigar corredores de aventureiros e pilhagens. É a partir do século XVIII que a necessidade de consolidação dessas terras ganhará um novo caráter exploratório. Com a intensificação do comércio do tráfico negreiro, o silvícola não mais servia à economia forçada do trabalho escravo. Expedições cada vez mais organizadas embarcavam em busca de minério, de terras de cultivo e de fundação de novos arraiais, serpenteando o grande emaranhado fluvial. Tietê, Paraná, Paranapanema, Pardo, Verde, Ivinhema, Paraguai Coxipó e Cuiabá se tornam os veios das monções.²³ O Tietê e o Paraná, e seus afluentes, configuraram-se como as artérias das incursões bandeirantes e as principais rotas de acessos dos paulistas. Geralmente, partiam de Sorocaba e de Itu, com homens brancos, mantimentos, escravos e, às vezes, com famílias. O primeiro que chegou às águas do Cuiabá foi o paulista Antônio Pires de Campos, em 1717. Em 1718, Paschoal Moreira Cabral empreende na mesma direção, atracando os barcos acima da barra do Coxipó, onde encontrou ouro encrustado nos barrancos. A expedição retornou a São Paulo com amostras de ouro e índios, mas antes ele e parte de sua tripulação ocuparam a Aldeia Velha²⁴ e ali formaram um povoado. Assim, começa o ciclo do ouro nas minas do Cuiabá. Tal povoado serviu de entreposto e guarida para outras bandeiras que, após a notícia do achado, chegavam ao local. No mesmo ano, Fernão Dias Falcão, guarnecido com cento e cinquenta homens, intensificou os trabalhos de mineração. Passados alguns meses, esse bandeirante 14 RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL


retornaria de São Paulo com mais quarenta escravos negros, além de ferreiros, carpinteiros, alfaiates e outros artífices, no intuito de ampliar a mineração e desenvolver o assentamento. Os irmãos Miguel e Sebastião Sutil encontraram, pelas mãos de dois bugres escravos, a mina que viria a ser a maior de Cuiabá, denominada Lavras do Sutil. O caminho fluvial era a principal via. Partiam, geralmente, de Ararytaguaba,²⁵ na barranca do Tietê, percorriam até o Paraná, onde entravam no Pardo, até a fazenda Camapuã,²⁶ entreposto de paragem, navegando pelos rios Coxim, Taquari, Paraguai e São Lourenço, chegando à barra do Cuiabá. A descoberta de novas minas ao norte, nas proximidades de Cuiabá, acarretou uma frequente peregrinação e formação de novos povoados. A distância avassaladora de centros mais civilizados, o perigo constante ao encontro com saqueadores, índios e doenças de vetores supliciavam cotidianamente os novos colonizadores. Ao sul, a presença paraguaia e o silvícola também propiciavam confrontos terríveis aos monçoeiros. Cada vez mais, o número de expedições em busca do novo ouro embarcava em composições de dezenas de batelões.²⁷ Em 1726, a expedição do governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Cesar Moreira de Menezes, partiu com mais de três mil tripulantes, embarcados em mais de trezentas embarcações, demorando mais de cinco meses para chegar às margens do porto do Cuiabá. Elevando, assim, o povoamento a Arraial de Bom Jesus de Cuiabá, instalando bases administrativas coloniais, cobrando impostos e regulamentando o ouro colhido. A ampliação da economia paulista evidenciou a necessidade de adotar ações mais assertivas para consolidar as novas terras para a Coroa portuguesa, uma vez que o avanço espanhol, ao sul, e a intensificação de ataques indígenas,²⁸ ao norte do território mato-grossense, dificultavam o transporte do metal para a província paulista. Desse modo, em 9 de maio de 1748, o Rei D. João V criou a Capitania de Mato Grosso, nomeando como seu primeiro governador Antônio Rolim de Moura Tavares. Em 13 de janeiro de 1750, os reis D. João V de Portugal e o Rei Fernando VI da Espanha assinam um tratado redefinindo a nova configuração das fronteiras das colônias sul-americanas, o Tratado de Madri, sobrepondo o Tratado de Tordesilhas. Uma série de providências foi tomada para garantir a segurança e o fluxo das monções. Com o desenvolvimento da região aurífera ao norte e o extremo vazio ao sul, contando com uma escassa e efêmera demografia, intensificou-se o processo de militarização, com deslocamento de soldados, formação de colônias e postos militares às margens dos rios e construção de fortes que assegurassem o assentamento de novos colonos. Em 1765, inicia-se a construção do forte de Nossa Senhora dos Prazeres de Iguatemi, que viria a ser concluído cinco anos mais tarde. Em 13 de setembro de 1775, por solicitação do governador da capitania, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cárceres, é lançada a pedra fundamental do presidio de Coimbra, pelo Capitão Matias Ribeiro, que dias mais tarde inicia a construção do forte Nossa Senhora dos Prazeres de Coimbra. Em 1797, é fundado o forte de Miranda, atacado no dia 16 de setembro de 1801, por forças espanholas 15 RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL


comandadas pelo governador de Assunção. Em 1º de janeiro de 1802, tropas matogrossenses lideradas pelo tenente Francisco José do Prado tomam o forte espanhol de San Jose, à margem esquerda do rio Apa. Na primeira metade do século XIX, o enfraquecimento das minas auríferas no Norte e a instabilidade política da capitania sangravam a economia das monções. Os constantes e intermináveis conflitos de fronteira entre os dois países causavam sensibilidade diplomática quanto à navegação fluvial nos rios Paraguai e Prata. O avanço territorial jamais conseguiu evoluir. Se por um lado a navegação abriu a possibilidade à margem dos rios; por outro, o Sertão ainda se encontrava infindável e inóspito. 16 RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL Plan de Cuyaba, Mato Grosso y Pueblos de los Yndyos Chyquytos y S. Cruz, sacado por orñ. de el Senõr Governador D. Tomas de Lezo – 1778. Fonte: Biblioteca Digital Luso-Brasileira.


17 RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL Mappa dos sertões que se comprehendem de mar a mar, entre as capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato-Grosso e Pará 1770 Fonte: Biblioteca Digital Luso Brasileira.


¹ O termo América foi utilizado pela primeira vez no mapa Universalis Cosmographia, do cartógrafo alemão Martin Waldseemüller, publicado em 25 de abril de 1507. ² Assinado em 7 de junho de 1494, na cidade de Tordesilhas, na Espanha, esse Tratado partilhava o “Novo Mundo” entre as nações ibéricas, contrariando outros países europeus, como França, Holanda e Inglaterra. ³ Pero Vaz de Caminha nasceu em 1450, na cidade do Porto. Foi tesoureiro e escrivão português. Foi designado para ser o escrivão na expedição de Pedro Alvares Cabral, redigindo a Carta relatando o “descobrimento”. Morre em 15 de dezembro, atacado por muçulmanos em Calicute, na Índia. ⁴ O rio da Prata é um estuário formado pelas confluências dos rios Uruguai e Paraná e do Oceano Atlântico. Sua bacia possui 3.200.000 km² e possui em sua área mais extensa aproximadamente 235 km². ⁵ Juan Díaz de Solís nasceu em 1470. Foi um navegante português a serviço da Coroa de Castela, comandando a expedição ao rio da Prata em 1515. Morreu atacado por índios Guaranis, em 20 de janeiro de 1516, onde hoje se encontra o departamento de Colônia, no Uruguai. ⁶ Não se sabe a data nem o local de nascimento de Aleixo Garcia. Foi um navegante português a serviço de Castela. Foi o mais icônico explorador desse período. Após a morte de Sólis, Aleixo retorna para a Espanha, mas naufraga na Ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis. Oito anos mais tarde, depois de ouvir histórias sobre Potosí, a montanha de prata e os incas empreendem uma expedição composta por mais de dois mil índios Guaranis rumo ao Peru. ⁷ O Rio Uruguai possui 1.770 km de extensão e suas águas banham o Brasil, o Uruguai e a Argentina. ⁸ Fundada pelo navegador Pedro de Mendoza, em 2 de fevereiro de 1536, com o nome de Nuestra Señora del Buen Ayre, o povoado dura até 1542, após constantes ataques dos índios Charruas. Apenas em 1580, com a expedição de Juan de Garay, que, partindo de Assunção e descendo o rio Paraná, encontra novamente as águas do Prata, refundando definitivamente o povoado como Puerto de Santa Maria de los Buenos Ayres. ⁹ Fundada em 1573 por Juan de Garay. ¹⁰ Fundada em 3 de abril de 1588, por Juan Torres de Vera Y Aragón. ¹¹ Fundada por Garcia Rodriguez de Vergara, sob ordem de Domingos Martinez de Irala, em 1554 à margem oriental do rio Paraná. ¹² Fundada por Juan de Salazar y Espinosa, em 15 de agosto de 1537. ¹³ A forma capitania hereditária foi um sistema de administração colonial português, baseado no parcelamento do território em 14 capitanias e cedidas pelo Rei às pequenas e grandes nobiliarquias lusitanas. ¹⁴ Plantation compreendia um sistema de produção agrícola baseado na monocultura produzida pela mão de obra escrava, destinada à exportação. No Brasil, o ciclo da cana-de-açúcar enfraquece ao logo do século XVII, devido à concorrência com a produção de outras colônias europeias e a permanência do invasor holandês na costa nordestina, a partir de 1630, principalmente na Capitania de Pernambuco, principal produtora. ¹⁵ Fundada por Martin Afonso de Souza em 1532, por determinação do Rei de Portugal D.João III. Seu nome foi dado por Gaspar Lemos, 30 anos antes, em 1502, como Ilha de São Vicente, em homenagem a São Vicente de Saragoça. Foi o Primeiro povoado fundado no Brasil. A capitania a qual pertence leva o seu nome. ¹⁶ Fundada em 25 de janeiro de 1554, pelos padres jesuítas José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, como São Paulo dos Campos de Piratininga, posteriormente denominada São Paulo. ¹⁷ O rio Paraná possui 4880 km de extensão e sua bacia abrange 1,5 milhão de km². É o segundo maior rio do Brasil e da América Latina, e o oitavo maior rio do mundo. Sua nascente é o delta dos rios Grande e Paranaíba, na fronteira entre os estados Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Suas águas banham os territórios brasileiro, paraguaio e argentino, encontrando sua foz no estuário platino. Suas margens foram ocupação milenar dos índios Guaranis. Paraná significa “rio mar” ou “rio como o mar”, em língua guarani. ¹⁸ As missões ou reduções jesuíticas eram aldeamentos estabelecidos pelos padres jesuítas no Sul e Centro-Oeste do Brasil, no intuito de catequizar, educar e profissionalizar os índios em artes e ofícios, técnicas agrícolas de plantio. Essas reduções também serviam de abrigo, entrepostos fronteiriços e pontos de paragem. Eram mantidas financeiramente pela Companhia de Jesus e negociavam a própria produção, e até ouro e metais preciosos As primeiras reduções datam da primeira década do século XVII, e abrangeram além das fronteiras da Argentina, do Paraguai e do Brasil. ¹⁹ Antigo assentamento espanhol fundado pelo Capitão Garcia Rodrigues de vergara, como Nuestra Señora del Guayrá, em 1554, às margens do rio Paraná. Localizava-se próximo à atual cidade de Guaíra, Paraná. Atacada inúmeras vezes pelos bandeirantes. NOTAS RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL 18


²⁰ Em função da capacidade logística fluvial e do isolamento do sertão, os povoamentos eram sempre erguidos às margens dos rios. ²¹ O rio das mortes possui 1.200 km de extensão. Nasce na Serra de São Vicente e deságua no rio Araguaia. Leva esse nome em função das constantes batalhas travadas entre bandeirantes e indígenas. ²² Fundado em 24 de março de 1593, por Ruy Días de Guzmán, onde atualmente se encontra a cidade de Aquidauana. Devido à quantidade de índios, instalou-se um reduto jesuíta. Foi destruída por ataques bandeirantes, em 1632. ²³ Termo utilizado pelos portugueses para determinar os ventos sazonais na Ásia Meridional. Esse termo era utilizado para determinar as expedições fluviais paulistas rumo às minas de Cuiabá no século XVIII, em função de necessitarem de determinadas épocas do ano propícias à navegação pelas cheias dos rios. ²⁴ Local onde havia uma aldeia abandonada dos índios Coxiponés. Servia de referência para os bandeirantes que por ali passavam. ²⁵ Local às margens do Tietê, propício ao embarque das expedições. Foi o principal ponto de partida das monções. Atual cidade de Porto Feliz, SP. ²⁶ Ocupada e fundada pelos irmãos bandeirantes João e Lourenço Leme, a fazenda de Camapuã era entreposto de abastecimento e paragem para as expedições monçoeiras ²⁷ Embarcações entalhadas em um único tronco madeira, possuindo de 10 a 12 metros de comprimento, resistentes e propícias às corredeiras dos rios. ²⁸ Os constantes ataques indígenas tornavam o cotidiano dos assentados um tormento. Inúmeros foram os confrontos com os Paiaguás, Guaicurus, Xavantes, bororos e outras etnias. RUMO AO OESTE: HISPANOS E LUSITANOS E A SECULAR EXPANSÃO DAS MARGENS OCIDENTAIS DO BRASIL 19


Capítulo II O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 20 O início do novo século permaneceria inalterado para a situação colonizadora mato-grossense. As dificuldades seculares de expansão e ocupação territorial devido ao grande empecilho logístico rumo ao interior, os ataques silvícolas e o conflito fronteiriço às margens fluviais ainda castigavam arduamente a turba de povoadores. Nem sempre os redutos militares eram garantia de segurança. O movimento de paraguaios e brasileiros em áreas de limites nacionais incertos proporcionava atritos constantes entre os assentados. A economia do minério agonizava rapidamente, comprometendo também o abastecimento de mercadorias da capitania paulista e o empobrecimento das áreas povoadas, transformando o extrativismo em economia agropastoril de subsistência. Cada vez mais, o fluxo de novos migrantes buscava o Sertão e suas áreas virgens e extensas, propícias ao cultivo e ao pequeno pastoreio, alterando progressivamente a geografia local, em uma epopeia construída a sangue e flecha.¹ Como complemento ao deslocamento fluvial, a penetração² em áreas distantes das barrancas dos rios impunha uma longa, pesada e dramática caminhada, franqueando a mata virgem, transportando bens pessoais, grande quantidade de mantimentos, ferramentas e animais. Nas Minas Gerais, o exaurimento das minas fez com que a capitania passasse pelo mesmo processo, transformando a economia em tímida produção agropastoril. As mudanças a partir de 1808,³ principalmente o fortalecimento do café no Rio de Janeiro e em São Paulo, fizeram com que o grão se tornasse produto exportador, aumentando seus campos de plantio, chegando ao Triangulo Mineiro,⁴ em 1816. A consolidação do café no sul da capitania mineira ampliou suas áreas de plantio em detrimento das fazendas de gado, que necessitavam de grande extensão de terras para a pastagem.⁵ Assim, nos anos 1830, inicia-se um novo processo migratório⁶ rumo ao oeste. Agora, mineiros embarcados com suas famílias, gado, equinos e escravos buscariam as virgens e desocupadas terras mato-grossenses para um novo começo. Uma vez mais, os rios se tornariam a via de acesso. O Tietê e o Paraná ainda são as principais rotas dos novos monçoeiros paulistas e mineiros, que muitas vezes desciam o Paraná até o porto de Guairá, empreendendo rumo ao rio Ivinhema⁷ e ao Brilhante, chegando à região do Vacaria.⁸ Devido à curta distância em relação ao norte e à grande extensão de planícies, o sul era o lugar propício à atividade pastoril. Outras expedições recorreram ao Paranaíba⁹ e ao Grande,¹⁰ formadores do Paraná. Certamente, expandiram suas ocupações para além do campo de Vacaria, navegando pelos rios Miranda,¹¹ Nioaque,¹² Coxim, Paraguai e seus afluentes, abrangendo grande parte do pantanal mato-grossense. A vida e o cotidiano eram penúria e provações. Apesar de agregarem grandes parcelas de terras, a pobreza extrema por falta de recursos e a distância dos grandes


centros mais desenvolvidos eram um duro castigo. As casas eram palhoças feitas com o que se podia encontrar no meio ambiente. A morte, às vezes, era uma constante, devido à falta de médicos e medicamentos.¹³ Utensílios pessoais de vestuário raramente se conseguiam e viagens aos arraiais poderiam demorar dias. Com a ascensão de D. Pedro II e com os novos planos de desenvolvimento, o governo imperial via a necessidade de fortalecer a navegação pelo rio Paraguai, para o total aproveitamento e integração da província. Contudo, entraves históricos e políticos entre as duas nações culminariam em sérias demandas diplomáticas regionais. O século XIX foi o terreno propício para a configuração política do continente. Inspiradas em ideais e aspirações da Revolução Francesa,¹⁴ as colônias iniciariam um movimento de libertação do jugo das metrópoles. O processo de independência paraguaio,¹⁵ de 13 de maio de 1811, garantiu seu desmembramento e sua autonomia da Coroa espanhola, mas não o reconhecimento do Vice-Reino do Prata.¹⁶ Apesar de o Brasil não reconhecer oficialmente a independência paraguaia,¹⁷ intentando uma saída diplomática (pacífica) para a questão fluvial e territorial, enviava frequentemente seus representantes à capital da nova república vizinha. Para o Império, a efetivação de uma política que garantisse posse e consolidação territorial de sua fronteira, bem como a livre navegação do Prata, era primordial para o desenvolvimento econômico das províncias às margens paraguaias e platinas, principalmente a província mato-grossense.¹⁸ Em 1816, com a oficialização da independência argentina, após cinco anos de guerra contra a Espanha, o Paraguai teve que lutar para manter sua soberania, uma vez que o caráter expansionista de seu antigo suserano infligia contínuos conflitos em suas fronteiras, impedindo a sua navegação e impondo uma política de isolamento. Em 1840, após a morte do ditador paraguaio Jose Gaspar Rodrigues de Francia,¹⁹ Carlos Antonio Lopez²⁰ ocupa o poder, implantando uma política de abertura e fortalecimento econômico, retirando o país do ostracismo regional e internacional, aumentando a sua produção interna para fins de exportação. As intenções estratégicas imperiais viam no impedimento da influência territorial do recém-criado estado argentino, e agora sob o governo totalitário de Juan Manuel de Rosas,²¹ nas províncias do antigo Vice-Reino platino, uma tática profícua para manter a sua influência regional e a hegemonia de seu comércio via navegação no Paraguai – Prata. Para isso, não mediu esforços para auxiliar bélica e financeiramente o conflito. Contando com isso, em 1843 o imperador solicita ao diplomata José Antônio Pimenta Bueno²² o deslocamento à capital paraguaia, para firmar um tratado,²³ a fim de reconhecer definitivamente sua independência e afirmar suas fronteiras pelo Tratado de Santo Idelfonso,²⁴ aliando-se ao país vizinho, contra o ditador argentino. Embora houvesse momentos amigáveis, os conflitos na fronteira mato-grossense não cessavam, permanecia sempre uma relação frágil e ambígua. É verdade que o acordo em nada contribuiu para uma solução do problema fronteiriço e os conflitos militares O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 21


faziam da extensa província um barril de pólvora sempre ameaçando explodir. Para o Paraguai e o Brasil, essa aliança era a oportunidade de se livrarem do inimigo em comum, garantir a consolidação nacional e o livre fluxo fluvial de seus produtos. A Argentina, desde a chegada de Rosas ao poder, passava por terrível e violenta repressão. O governo, violento e personalista, beneficiava sempre uma elite política portenha centralizada, causando descontentamento entre as províncias e provocando constantes rebeliões suprimidas com violências desmedidas. Em 1851, José de Urquiza, antigo aliado e agora opositor de Rosas, governador da província de Entre Rios, assina um tratado com o Império brasileiro, para pôr fim ao governo do ditador e derrubar seu aliado, o presidente do Uruguai, Manuel Oribe. Após a derrocada do líder uruguaio, já prevendo alguma retaliação e declaração de guerra, é assinado um tratado entre o Brasil e a província de Corrientes, fortalecendo a investida contra o governador argentino, culminando na Guerra do Prata. A vitória aliada aconteceu em 3 de fevereiro de 1852, no mesmo ano que expira o tratado de aliança com o Paraguai, gerando o rompimento dos interesses bilaterais, acentuando cada vez mais as suas dimensões limítrofes. De imediato, é enviado para Assunção o legado Felipe José Pereira Leal,²⁵ no intuito de resolver, mais uma vez, as querelas fronteiriças e náuticas. O porta-voz brasileiro reforçou a reivindicação da margem direita do rio Apa, além do rio Branco, como limite da fronteira brasileira e a livre navegação pelo rio Paraguai em fronteiras internacionais. A negativa paraguaia e o retorno forçado do diplomata brasileiro foram o ponto de partida para agravamento ascendente que culminaria no conflito de 1864. No intuito de obter, por demonstração de força, uma resposta positiva do governo paraguaio, uma expedição militar imperial, liderada pelo diplomata Pedro Ferreira de Oliveira,²⁶ composta por dezenas de navios de guerra e milhares de soldados, parte do porto do Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 1854, com destino a Assunção. A inexperiência diplomática do almirante da esquadra não trouxe resultados para a missão e o acordo firmado por ele no início de 1855 foi invalidado pelo Imperador. Ferreira de Oliveira voltou sem sucesso para a capital imperial. No ano seguinte, o representante paraguaio Jose Berges é enviado ao Brasil para uma nova proposta de acordo, estabelecendo, em partes, a navegação²⁷ sem avanços para a questão da fronteira. Um novo tratado, assinado em 1858, entre Francisco Solano Lopez, filho do governante paraguaio, e José Maria da Silva Paranhos,²⁸ estabelecia mais alguns benefícios para a navegação militar imperial em águas paraguaias, aumentando a quantidade de carga e armamentos, novamente sem definições assertivas para as linhas fronteiriças.²⁹ Em 1862, Carlos Antonio Lopez morre, deixando seu posto de líder supremo para o filho. Francisco Solano Lopez, diferente de seu pai, possuía um caráter mais enérgico quanto às ações políticas e econômicas de seu país. Sabia que a aliança política com os países platinos era fundamental para seus interesses e para isso deveria participar do jogo O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 22


de cartas político com as nações platinas, apoiando partidos e políticos correligionários dos governos vizinhos. O Brasil, por ser potência regional, transitava entre os apoios e as influências, buscando fortalecer ainda mais sua posição. Blancos e colorados³⁰ disputavam, a ferro e chumbo, o poder na Argentina e no Uruguai, a antiga província luso-brasileira da Cisplatina. Para Solano Lopez, o apoio aos candidatos do Partido Blanco no Uruguai e na Argentina garantiria seu estratégico acesso ao porto de Montevidéu, no Oceano Atlântico. Em 1864, as tensões aumentaram. Após a saída do presidente Bernardo Berro,³¹ o presidente do Senado uruguaio, Atanásio Cruz Aguirre,³² também membro do Partido Nacional,³³ apoiado pelo ditador paraguaio, assume como presidente interino, contrariando os planos do Império. A situação dos pecuaristas brasileiros instalados no Uruguai se torna insustentável, com as altas taxações no gado brasileiro impostas pelo governo, com os assassinatos, conflitos e roubos de gado praticados por uruguaios. Sem respostas concretas do novo presidente e após tentativas diplomáticas, tal situação contribuiu para uma intervenção militar brasileira, derrubando o presidente Aguirre e instalando o líder do partido Colorado, Venancio Flores,³⁴ como novo chefe de Estado. O apoio do político colorado argentino Bartolomé Mitre³⁵ contribuiu ainda mais para a derrocada estratégica de Lopez. A insatisfação paraguaia ocasionou o rompimento diplomático com o Brasil e o sequestro do navio brasileiro Marquês de Olinda e toda sua tripulação, que incluía o governador da província de Mato Grosso, Carneiro de Campos,³⁶ em 12 de novembro de 1864. Como reação, o Brasil declara guerra ao Paraguai. Em dezembro, as tropas paraguaias invadem o território brasileiro, saqueando cidades e matando civis com toda a sorte de violência. Corumbá, em Mato Grosso, e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, foram as cidades mais surradas durante os assaltos paraguaios. A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado da América Latina, envolvendo todos os países às margens do Paraguai e do Prata. Para conter a ofensiva imperial contra o governo Aguirre, Solano Lopez decide chegar até o Rio Grande do Sul e, devido ao isolamento logístico da província matogrossense com outras províncias do Império, decide fazer o percurso pelo território argentino. Em 13 de maio de 1865, após a negativa do presidente Mitre em deixar transitar as tropas paraguaias, com uma frota de cinco navios, entre eles o Marquês de Olinda, o navio brasileiro capturado e um contingente de três mil soldados, invadem a cidade de Corrientes, contribuindo para a entrada da Argentina no cenário da guerra. Em 1º de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai assinam o Tratado da Tríplice Aliança, em que se comprometeriam em pôr termo ao governo expansionista de Solano Lopez. Após a reconquista da cidade, como plano estratégico, os aliados decidem impedir o acesso paraguaio à bacia do Prata, bloqueando o rio Paraná, próximo as águas do Riachuelo.³⁷ O Paraguai, sentindo-se ameaçado e impossibilitado de transitar suas mercadorias, arruinando sua economia, decidiu atacar a frota brasileira que se encontrava O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 23


a alguns quilômetros próximos ao porto correntino. O ataque noturno aconteceu em 11 de junho, quando a maioria dos 2.287 combatentes encontrava-se dormindo. A frota paraguaia, composta por nove navios e seis barcaças adaptadas com peças de artilharia, confrontou nove couraçados brasileiros. Apesar da superioridade paraguaia e da súbita investida, a contraofensiva brasileira ocasionou uma baixa irreversível para marinha inimiga. Após a Batalha do Riachuelo e o tratado entre os três países oponentes, a guerra entraria em um novo processo, garantindo a invasão de seu território e a derrocada da nação paraguaia. A guerra terminaria em 1º de maio de 1870, na batalha de Cerro Corá, com o total aniquilamento das forças militares paraguaias e a morte do ditador. O saldo terrível e violento suprimiu um número superior a dois terços da população do Paraguai, em sua maioria a população masculina, criando um país com grande número de mulheres, idosos e crianças. A Argentina e o Brasil agregaram boa parte do território paraguaio aos seus domínios. Nos anos de 1870, inicia-se o processo de regularização dos limites territoriais. Em 27 de março de 1872, dois anos após o grande conflito, o imperador promulga dois decretos que estabelecem a paz e definem os limites da fronteira. O Decreto nº 4.910, oficializando o tratado de paz permanente, e o Decreto nº 4.911, definindo a fronteira até o norte do rio Apa, abrangendo uma área de 62.325 km². Ficou evidente que a integração total do oeste significaria muito além de uma necessidade logística ou econômica, implicava a soberania nacional. O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 24 Cena do Combate Naval de Riachuelo no dia 14 de junho de 1865. A canhoneira incendiando o vapor inimigo debaixo do fogo das baterias paraguaias Fonte: Biblioteca Nacional Digital Brasil


Acampamento brasileiro em Tuiuti 1866. Fonte: Biblioteca Digital – Biblioteca Nacional do Uruguai. Soldados brasileiros provenientes do Ceará 1865. Prisioneiros paraguaios capturados pelo Exército uruguaio 1866. Corpos de combatentes paraguaios 1866.


¹ O ataque de feras, serpentes e mosquitos e o confronto com os silvícolas dizimavam um número incalculável de pessoas, expedições inteiras às vezes. ² Percorriam centenas de quilômetros a pé. Quanto mais adentravam o interior, muitas vezes em trilhas e aberturas feitas pelos índios, mais ficavam vulneráveis ao encontro com o oponente. ³ A vinda da família Real para o Brasil em 1808, devido à invasão francesa em Portugal, proporcionou uma serie de transformações e mudanças em solo brasileiro, como criação do Banco do Brasil, a abertura dos portos brasileiros aos aliados comerciais de Portugal e outras nações e a instalação de políticas econômicas voltadas à ampliação dos produtos agrícolas para a exportação, a exemplo do café. ⁴ Para a economia do ouro, já débil e anêmica, 1808 seria praticamente um golpe de misericórdia para as regiões auríferas. A queda na extração, a adoção de novas regras fiscais e a regulamentação das negociações e do preço do ouro igualavam à produção do ouro à agrícola. ⁵ As técnicas de plantação de pastagens não existiam nesse período, demandando aos criadores grandes extensões de pastos virgens e manejos sazonais para alimentar o rebanho e regenerar o capim natural. A lavoura do café e outros produtos agrícolas também demandavam grandes espaços e movimentavam a economia. Isso fez com que os pecuaristas procurassem novas terras desocupadas para a sua criação. ⁶ Esse período do século XVIII é conhecido como período das Monções, termo português que tem origem nos ventos fluviais da Ásia Meridional, que corriam para o Oceano Índico. ⁷ Rio situado no estado de Mato Grosso do Sul, pertencente à sub-bacia do rio Paraná. Formado pelos rios Dourados e Brilhante, possui uma extensão de 595 km. ⁸ Rio situado no estado Mato Grosso do sul. ⁹ Rio situado nos estados de Goiás e Minas Gerais, possui 1360 km de extensão. Sua nascente começa em Goiás, a partir da foz do rio Aporé e vai até a sua junção com o rio Paranaíba, formando o Rio Paraná. ¹⁰ Rio situado no estado de Minas Gerais, possui 1.170 km de extensão e sua junção com o rio Grande forma o rio Paraná. ¹¹ Rio situado no estado Mato Grosso do sul, possui 490 km de extensão. É formado pelos rios Roncador e Córrego Fundo, desaguando no Rio Paraguai próximo a Corumbá. ¹² Rio situado no estado Mato Grosso do sul. Formado pelos córregos Cabeceira do Nioaque e São João na serra de Maracaju. É afluente do rio Miranda. ¹³ Os colonos recorriam com frequência ao conhecimento herbolário dos indígenas para sanar suas doenças e ferimentos, adquiriam conhecimento de coletar ervas e raízes do próprio bioma. ¹⁴ A Revolução Francesa, de 14 de junho de 1789, foi um ato revolucionário popular que derrubou a monarquia absolutista e combateu os direitos da aristocracia, instaurando um regime de cunho popular. Em 1792, os Estados Unidos declararam sua independência, sob as mesmas premissas, desvinculando-se da Inglaterra. Isso se refletiria nas próximas décadas para as colônias espanholas. ¹⁵ A invasão napoleônica da Espanha em 1808 gerou o esfacelamento do Vice-Reino do Prata, que se transformou em Províncias Unidas do Rio da Prata, possuindo Buenos Aires como capital. O Paraguai, por sua vez, apoiado por uma aristocracia monarquista, decidiu ficar totalmente independente, mantendo o Reino Espanhol como seu suserano. Isso provocou duas incursões bélicas do novo governo contra a província rebelde, intentando reanexar o território. Após o conflito, os paraguaios conseguiram se manter livres. Tal efeito desencadeou o processo de independência. Nos dias 14 e 15 de maio de 1811, houve uma onda revolucionaria pacífica, liderada pelos generais Pedro Juan Caballero e Fulgencio Yegros e pelo político Jose Gaspar Rodríguez de Francia, que declaram o país definitivamente independente da Metrópole. ¹⁶ Criado em 1776, pero Rei Carlos III da Espanha, era formada pelas províncias de Buenos Aires, sede do Vice-Reinado, Banda Oriental do Uruguai e Paraguai. ¹⁷ Devido às suas relações com o vice-reinado platino e os embates territoriais da província mato-grossense, o Império brasileiro não reconhecia oficialmente o Paraguai como nação independente. isso acontecerá com o tratado de paz de 1872, após a Guerra da Tríplice Aliança. ¹⁸ O total isolamento de Mato Grosso das outras províncias do Império era um problema secular que ainda parecia insolúvel. Tanto para os interesses paraguaios, que não possuíam saída para o mar, quanto para o Brasil, que desejava povoar, era interessante integrar e escoar as riquezas de sua terra mais isolada. A via platina era a veia jugular para a economia dos dois países. ¹⁹ José Gaspar Rodríguez de Francia (1766-1840) foi um proeminente político e advogado paraguaio, intelectual e ideólogo da NOTAS O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 26


Revolução da Independência de 1811. Foi o primeiro ditador do Paraguai. Governou o país até sua morte, em 1840. ²⁰ Carlos Antonio Lopez (1790 -1862) foi um político e intelectual paraguaio. Sucedeu a José Gaspar Rodríguez de Francia, após sua morte, em 1840. Foi o primeiro presidente do Paraguai. Durante o seu governo, promoveu uma série de transformações, projetando o país, dentre as nações do Prata, após décadas de isolamento. Criou as forças armadas, distribuiu terras e incentivou a produção em grande escala, a produção agrícola e o comércio de produtos primários para exportação, melhorou a infraestrutura e a logística, construindo ferroviais e modernizando o transporte naval, além das políticas sociais. O impedimento de navegação no Paraná e no Prata, imposto pela argentina, e a impossibilidade de chegar até o Oceano Atlântico, com suas mercadorias, prejudicaram a evolução de seus projetos. Governou até sua morte, em 1862. ²¹ Juan Manuel Jose Domingo Ortiz de Rosas (1793 – 1877) foi um político, militar e ditador argentino. Instaurou um governo totalitário e violento, adotando o terrorismo de Estado, promovendo o aprisionamento, a tortura e a morte de civis. Seu pensamento expansionista desencadeou guerras com seus vizinhos, a Confederação Peru – Boliviana, o Paraguai e o Uruguai. Foi deposto em 1852, após ser derrotado durante a Guerra do Prata. Morreu no Exilio na Inglaterra, em 1877. ²² José Antônio Pimenta Bueno (1803 -1878) – Marquês de São Vicente - foi um jurista e político brasileiro. Foi conselheiro da província do estado de São Paulo. Em 1844, foi nomeado plenipotenciário do Império, em assuntos de negócios no Paraguai. Também, ocupou os cargos de desembargador do Maranhão, ministro do Supremo Tribunal de Justiça, ministro dos Negócios Estrangeiros, governador das províncias de Mato Grosso e Rio Grande do Sul, senador do Império e chefe do Gabinete Ministerial. ²³ Firmado entre os dois países, em 14 de setembro de 1844, declarava o reconhecimento imperial da independência paraguaia. Foi o primeiro passo de uma série de tratados assinados para uma aliança contra o regime de Rosas e a livre navegação do Prata, sem a intervenção de Buenos Aires. ²⁴ Tratado assinado em 1º de outubro de 1777, entre a Rainha Maria I de Portugal e o Rei Carlos III, ratificando grande parte das demarcações do Tratado de Madrid de 1750. Estabeleceu fim aos conflitos do sul, em troca da devolução da Ilha de Santa Catarina, invadida pelo Vice-Rei platino Pedro de Cevallos. ²⁵ Felipe José Pereira Leal (1812 -1880), foi um politico e diplomata Brasileiro. Oficial da marinha reformado, foi Adido de Legação no Uruguai, Estados Unidos, Nova Granada, Paraguai e Itália. ²⁶ Pedro Ferreira de Oliveira (1801 – 1860) foi oficial da Marinha Imperial, ocupou o cargo de govenador da província do Rio Grande do Sul. ²⁷ Com o tratado firmado por Berges e o Imperador, limitava a navegação no rio Paraguai em somente dois navios de guerra até 600 toneladas. ²⁸ José Maria da Silva Paranhos (1819 – 1880) – Visconde do Rio Branco, foi militar, jornalista e diplomata brasileiro. Pai de José Maria da silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco. ²⁹ Nesse tratado a questão da fronteira foi adiada para 1862, o que não aconteceu devido aos acontecimentos políticos e a morte de Carlos Antônio Lopez. ³⁰ Ambos os partidos, fundados em 1836, não possuíam um perfil ideológico definido, transitando entre liberais e conservadores, direita e social-democracia. Disputaram o poder violentamente no Uruguai desde suas fundações. ³¹ Bernardo Prudencio Berro y Larrañaga (1803 – 1868), foi um político e escritor uruguaio, membro do Partido Nacional, ocupou o governo de 1860 a 1864. ³² Anastasio Cruz Aguirre (1801 – 1875) foi um político uruguaio, membro do Partido Nacional. Foi senador e presidente da Câmara dos Deputados. Assumiu o cargo de presidente do Uruguai após a renúncia de Bernardo Berro. ³³ Partido Nacional também chamado Partido Blanco. ³⁴ Venancio Flores (1808 – 1868) foi um político uruguaio, membro do Partido Colorado. Foi presidente interino até 1855, quando foi deposto por Blancos, ato que resultou na Guerra Civil Uruguaia, que duraria anos. Em 1865, apoiado por colorados argentinos e pelo Império do Brasil, derrubou Aguirre, assumindo a Presidência até 1868. Foi assassinado por algozes desconhecidos, poucos dias depois de deixar a Presidência. Apesar de não terem sido identificados os assassinos, presume-se que o Partido Nacional estivesse envolvido. ³⁵ Bartolomé Mitre Martinez (1821 – 1906) foi um político e escritor argentino, presidente de 1862 a 1868, membro do Partido Colorado argentino. ³⁶ Frederico Carneiro de Campos (1800 – 1867) foi um militar e político brasileiro, governador da província da Paraíba. Nomeado em 1864 ao posto de governador da província de Mato Grosso, foi sequestrado e aprisionado pelo Exército paraguaio, conjuntamente com a tripulação do navio Marquês de Olinda. Morreu na fortaleza de Humaitá, três anos depois, devido aos maus tratos e inanição. ³⁷ Rio argentino situado na cidade de Buenos Aires, sua extensão é de 64 km² e possui uma área de 2.200 km². Deságua no rio da Prata. O CONFTO PARAGUAIO E OS PLANOS DE INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MATO-GROSSENSE 27


Capítulo III UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO A guerra durou meia década e deixou um saldo ácido e corrosivo para os países envolvidos. Os países da Tríplice Aliança tiveram que amargar com o endividamento e a derrocada econômica. Para o Império brasileiro, esse foi o primeiro passo para a sua decadência, fortalecendo o golpe dos republicanos,¹ em novembro de 1889. Por outro lado, o espólio do conflito beneficiou as reivindicações territoriais e fluviais brasileiras. O fortalecimento humano e logístico das margens ocidentais seria o sustentáculo para consolidar de vez o território nacional.² Foi durante a guerra, que o governo imperial pôde observar a real necessidade da construção de uma ferrovia, rumo ao Mato Grosso, pois a ausência logística prejudicou sem precedentes a mobilização militar em direção ao conflito.³ Apesar de a ferrovia Petrópolis⁴ ser a primeira ferrovia brasileira a ter sido inaugurada, em 1854, as propostas de projetos ferroviários se iniciaram nos anos 1830, levando o nome de seus idealizadores,⁵ como o plano Vasconcelos,⁶ de 3 de novembro de 1835. Esse foi o primeiro plano ferroviário do Brasil, com três linhas principais, que uniriam as províncias da Bahia, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul à capital imperial, Rio de Janeiro, possuindo mais de dois mil e trezentos quilômetros de linha. O primeiro plano de viação nacional, que propõe a união da província de Mato Grosso, foi apresentado em 1838. Idealizado pelo conselheiro José Silvestre Rebello,⁷ esse projeto apresentava uma longa malha ferroviária que ligava todas as províncias a leste, de norte a sul, e as províncias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, no Centro-Oeste. Em 1870, o Brasil possuía pouco mais de setecentos quilômetros de trilhos, o que era completamente ineficiente, pois a ascensão da produção cafeeira de caráter exportador demandava estruturas logísticas de escoamento cada vez maiores e mais eficazes. Nessa década, houve uma corrida incessante para apresentar planos e projetos ferroviários que integrassem as terras brasileiras. Engenheiros, nobres e possíveis investidores buscavam a aprovação de concessões imperiais para a construção e exploração do caminho de ferro. Em 22 de dezembro de 1871, a princesa Isabel assinou o Decreto nº 4.851, concedendo autorização para os requerentes Barão de Mauá,⁸ William Lloyd,⁹ Antônio Pereira Rebouças Filho,¹⁰ Capitão Christian Palm¹¹ e Thomas Cochrane,¹² para desenvolverem explorações e estudos preliminares de uma ferrovia que partisse de Curitiba, na província do Paraná, para Miranda, na província do Mato Grosso, bem como linhas de navegação nos rios Ivaí,¹³ Ivinhema, Brilhante e Mondego. No mesmo ano, o ministro da agricultura, comércio e obras públicas, o senhor Teodoro Machado Freire Pereira da Silva,¹⁴ solicitou ao presidente da província de São Paulo que cancelasse a continuidade do estudo de avanço da linha férrea de Mogi-Guaçu a 28


Sant'Anna do Paranahyba,¹⁵ em Mato Grosso. Inúmeros estudos e possibilidades foram inviabilizados devido à falta de consenso técnico e o jogo de interesses políticos. Discussões quanto ao traçado e ao percurso demoravam anos, muitas vezes caducando a concessão. Em 9 de julho de 1875, o novo ministro da agricultura, comércio e obras públicas, José da Costa Pereira, solicita ao engenheiro Francisco Antônio Pimenta Bueno¹⁶ o estudo de uma ferrovia que partisse de Rio Claro ou Limeira até Sant'Anna do Paranahyba. Em 1876, o engenheiro Francisco Antônio Monteiro Tourinho¹⁷ apresentou o projeto de construção de uma ferrovia que atravessava o rio Paraná, nas imediações do Salto de Sete Quedas, em Guaíra, encontrando seu ponto final em Arica, porto chileno no Pacífico. Uma quantidade significativa de projetos ferroviários destinados à província matogrossense transitava na Corte imperial, buscando aprovação. No entanto, a integração férrea da província ainda era um grande problema longe de ser solucionado. Grande parte dos projetos viabilizava, conjuntamente com a estrada de ferro, a exploração fluvial dos rios que se encontravam em seu percurso.¹⁸ Com a deposição do imperador e da família real, e a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o país passou por consideráveis transformações político-administrativas. A partir de 1890, uma série de departamentos e comissões foi criada, para organização, estudo, análise e implementação de projetos de desenvolvimento viário e fluvial, como a criação da Comissão de Viação Geral.¹⁹ Em 22 de novembro do mesmo ano, a recém-criada Comissão apresentou um plano contendo trinta e seis projetos de ferrovias e linhas fluviais, que ampliavam os sistemas de comunicação em todo o país. Os planos viabilizados para Mato Grosso contemplavam três ferrovias. A primeira partia de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, passando por Catalão e Goiás, no estado de Goiás, chegando a Coxim. A segunda partia de Uberaba, no estado de Minas Gerais, chegando a Coxim. E a terceira partia de Paranaguá, no estado do Paraná, alcançando Miranda e Corumbá, passando pelos vales do Ivaí, Paraná, Ivinhema e Brilhante. Em 1891, o engenheiro Antônio Francisco de Paula Souza²⁰ apresentou um estudo ao Banco União de São Paulo,²¹ com o traçado Araraquara – Itapura -. O infindável emaranhado de estudos e concessões e as constantes desavenças técnicas impediam o avanço da linha férrea ao Mato Grosso. Muitos engenheiros chegavam ao consenso de que o melhor traçado era o que atravessava o rio Paraná, via Sant'anna do Paranahyba, por se tratar do menor percurso, partindo do estado de São Paulo, área mais desenvolvida e com maior número de áreas urbanizadas, além de concordar com os interesses do Governo. Antônio Pimenta Bueno indicou o percurso São Paulo – Mato Grosso, como ponto de partida para a cidade de Santos, atravessando o rio Paraná rumo a Sant'anna do Paranahyba. O engenheiro Cristiano Otoni,²² em seu relatório destinado ao Departamento de Obras Públicas, do Governo Federal, de 1894, corroborava com o traçado de Antônio Pimenta Bueno, via Sant'anna do Paranahyba. Para o estado paulista, a ampliação da malha ferroviária rumo à fronteira mato-grossense era muito mais do que uma necessidade logística para o estado vizinho, uma vez que quase metade de seu UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 29


território oeste era terra incógnita, um mundo completamente inóspito e povoado por silvícolas. A ocupação das terras desabitadas era vital para a expansão e o fortalecimento cafeeiro no estado. As ferrovias Sorocabana Railway, Mogiana, Ituana, São Paulo Railway e Jundiaí (Santos) foram meios eficazes na integração e no acesso entre os municípios e zonas cafeeiras no leste paulista. Em 20 de abril de 1903, foi publicada uma matéria no jornal O Estado de São Paulo, intitulada Estrada Estratégica para Mato Grosso. Nesse texto, o engenheiro Theodoro Marcos Ayroza aponta a possibilidade de uma ferrovia que, partindo do povoado de Bauru,²³ próximo a São Paulo dos Agudos,²⁴ chegasse à Barra do Taquari, na fronteira do Paraguai. No mesmo ano, o engenheiro Emilio Schnoor²⁵ publica um memorial,²⁶ discorrendo sobre a importância de um grande projeto ferroviário com destino a Mato Grosso, partindo de Santos, porto atlântico da costa brasileira e chegando à fronteira boliviana, integrando as ferrovias boliviana, peruana e chilena, com seu ponto final na costa do Pacífico. Uma ferrovia transoceânica. O memorial apontava para o potencial de recursos naturais das regiões escolhidas para o percurso. Optou por uma ferrovia que partisse de São Paulo dos Agudos, por Avanhandava,²⁷ às margens do Tietê, até a travessia do rio Paraná, em Itapura.²⁸ E, em solo mato-grossense, por Sant'Anna do Paranahyba, até as margens do rio Paraguai, em Corumbá. A importância de se ter uma ferrovia que aproveitasse futuramente todas as possibilidades e recursos dos vales férteis cultiváveis, bem como dos recursos hídricos e hidroviários, oportunizaria o desenvolvimento e o povoamento dessas regiões. Certamente, o Tietê e o Paraná ofereceram riquezas incalculáveis, na navegabilidade, na geração de energia, por meio de quedas, correntezas e suas extensas margens ricas para o plantio. A ferrovia alavancaria sobremaneira a economia em seu percurso e seria fundamental para o escoamento da produção bovina do Mato Grosso. Inúmeros projetos apresentados indicaram o percurso rumo a Itapura e Sant'Anna do Paranahyba, como trajeto mais profícuo. Em 1904, tanto as instituições responsáveis pelos estudos de viabilização quanto a República amargavam a necessidade de uma conclusão definitiva para o problema ferroviário mato-grossense, que se estendia por décadas congelado por indecisões teóricas quanto ao percurso. No decorrer desse ano, o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, ao analisar o memorando enviado pela Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais, aponta para a construção de uma ferrovia que iniciasse nas proximidades de São Paulo dos Agudos, rumo ao Salto de Urubupungá,³⁰ em direção às proximidades das fronteiras da Bolívia e do Paraguai. O senhor Lauro Müller,³¹ após o parecer da análise do Clube de Engenharia, solicita ao presidente da república, senhor Rodrigues Alves,³² a readequação da concessão Uberaba – Coxim,³³ para um trajeto partindo de Bauru, passando pelo Vale do Tietê até Itapura, atravessando o rio Paraná, no Salto de Urubupungá. Em solo mato-grossense, passaria pelo Porto do Taboado até a Serra do Baú, concluindo seu percurso em Cuiabá, UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 30


capital do estado. Uma vez que ambas se destinavam ao sul do estado de Mato Grosso, a união desse novo percurso com as ferrovias paulistas seria ponto essencial para a integração das malhas ferroviárias de São Paulo, bem como para a valorização da Sorocabana, federalizada e vendida ao estado de São Paulo, em função da grave crise econômica da empresa. A escolha de Bauru, próximo a São Paulo dos Agudos, foi estratégica, pois, devido à expansão territorial do café ao centro-oeste paulista, os trilhos da Sorocabana e da Companhia Paulista de Estradas de Ferro se encontrariam naquele município. Seria o meio mais viável para um projeto transoceânico, visto que era o trajeto mais próximo de Santos até o Pacífico. Em 21 de junho, foi criada a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil,³⁴ no intuito de explorar a concessão. Em 30 de julho, foi cedido para a nova Companhia o direito da concessão da Estrada de Ferro Uberaba – Coxim, com a necessidade das alterações para o trajeto Bauru – Cuiabá.³⁵ O primeiro passo para a recém-criada Noroeste do Brasil era o estudo de reconhecimento técnico do percurso. Ainda em novembro de 1904, foi contratado o engenheiro Luiz Felipe Gonzaga de Campos.³⁶ Definidos os estudos dos primeiros cem quilômetros, foram solicitadas da Compagnie Générale de Chemins de Fer et Travaux UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 31 Mapa da província de São Paulo, em 1886.²⁹ Fonte: Arquivo Público do estado de São Paulo.


Estação de Lauro Muller, em 1912. Equipe de construção em 1905. Ponte sobre o rio Aquidauana. Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 33 Publics³⁷ a construção e a equipagem da linha. A companhia belga contratou o engenheiro Joaquim Machado de Mello³⁸ e sua empresa³⁹ para gerenciamento e construção das obras. O financiamento foi de capital misto, por meio de investimento franco-belga,⁴⁰ conjuntamente com o Banco União de São Paulo e o Governo Federal. Em 15 de julho de 1905, são iniciados os trabalhos em Bauru, até então um pequeno lugarejo, contando com aproximadamente seiscentos habitantes. Era o início de um dos maiores empreendimentos ferroviários mundiais, sendo o maior do hemisfério sul. Em 27 de setembro de 1906, com a presença do ministro da viação, Lauro Muller, foi inaugurado o primeiro trecho provisório, que compreendia as estações de Presidente Tibiriçá,⁴¹ Jacutinga,⁴² Presidente Alves⁴³ e Lauro Muller.⁴⁴ O caráter integrador da ferrovia contribuiu para a formação dos povoados e para a passagem de pessoas e mercadorias. O estudo para o segundo e mais penoso trecho⁴⁵ ficou a cargo do engenheiro Sylvio Saint Martin,⁴⁶ que optou pelo trajeto dos trilhos, a partir do quilometro 100, rumo às margens do Tietê, na corredeira do Canal do Inferno, seguindo até o Paraná, nas imediações do Salto de Urubupungá, em seu ponto de travessia, passando por regiões férteis pouco acidentadas próximas a rios e ribeirões, oportunizando o aproveitamento territorial para a formação de novos povoamentos e a rapidez no progresso da linha férrea, uma vez que não haveria obstáculos e barreiras naturais que demandassem tempo considerável para transpor.⁴⁷ A progressão rumo ao sertão desconhecido se transformaria em calvário para os trabalhadores. Os limites do mundo conhecido não se distanciavam muito além das proximidades de Bauru. A transposição de florestas e matas fechadas, os rios, os córregos, os espigões, as doenças de vetores e o encontro aterrorizante com bandos de silvícolas enfurecidos dizimariam quantidades absurdas de trabalhadores brasileiros e imigrantes. Em 1907, o Governo Federal altera o traçado Bauru – Cuiabá para Bauru–Corumbá, atravessando o rio Paraná no Jupiá,⁴⁸ passando por Aquidauana e chegando a Corumbá. O engenheiro Emilio Schnoor foi designado para compor comissão técnica e fazer o estudo do novo traçado. Respeitando os novos estudos, a ferrovia deveria manter-se até o Urubupungá, continuando em solo mato-grossense pelos rios Sucuriú,⁴⁹ Pombo,⁵⁰ Verde⁵¹ e Pardo,⁵² chegando a Campo Grande, onde seria o ponto de entroncamento,⁵³ seguindo para Aquidauana, Miranda, Serra da Bodoquena e Corumbá. Esse novo trajeto contemplava áreas navegáveis e o distanciamento das áreas alagadas do Pantanal mato-grossense do rio Paraguai. A ferrovia seria construída em duas frentes de construção, a linha Bauru–Itapura e a linha Itapura–Corumbá. Os estudos de viabilização em terras paulistas foram desenvolvidos pelos engenheiros Gonzaga de Campos e Saint Martin. O território mato-grossense ficou sob a responsabilidade do engenheiro Schnoor e de uma equipe de especialistas. A capacidade técnica desses


UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 34 profissionais contribuiu para a notável agilidade na finalização do estudo. Ficou definido que a linha Itapura–Corumbá seria subdividida em seis seções: Itapura – Rio Verde; Rio Verde – Campo Grande; Campo Grande – Aquidauana; Aquidauana – Miranda; Miranda – Porto Esperança; Porto Esperança – Corumbá. Com a conclusão dos estudos da linha Itapura – Corumbá, ficou estabelecido que a travessia do rio Paraguai seria feita por Porto Esperança. Para a travessia do rio Paraná, seria construída uma ponte nas proximidades do Urubupungá. Em 3 de maio de 1908, iniciase a construção a partir de Porto Esperança. A empresa construtora Machado de Mello sublocou os serviços de construção dos primeiros sessenta e dois quilômetros da empresa Versiani & Lisboa.⁵⁴ O trecho de Aquidauana a Campo Grande ficou a cargo da construtora Machado de Mello, já o trecho a partir das barrancas do rio Paraná se inicia sob a responsabilidade do engenheiro José Matoso de Sampaio Correia,⁵⁵ sendo posteriormente assumido pelo engenheiro Francisco Paes Leme de Monlevade⁵⁶ e sua empresa.⁵⁷ O Governo Federal, pretendendo sanar o impasse, decide enviar até as margens do Paraná uma comissão responsável para reavaliar o estudo de Schnoor referente ao ponto de travessia do rio pelo Urubupungá.⁵⁸ Ficou determinado que tal travessia seria alterada para o rebojo do Jupiá, como havia indicado anteriormente o engenheiro Gonzaga de Campos. O trecho Itapura – Jupiá seria executado por contrato pela F. Monlevade & CIA. Conforme determinado pelo Decreto nº 6899, de 24 de março de 1908, o prazo para a total abertura do tráfego provisório seria até 30 de setembro de 1910, mais quinze meses para a conclusão do trecho Porto Esperança – Corumbá e da fronteira boliviana. Em 26 de agosto de 1910, foram assentados os últimos trilhos às margens paulistas do Paraná. Devido a problemas financeiros da Companhia, a conclusão efetiva do percurso aconteceria em 12 de outubro de 1914, com a união total das duas linhas da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, com o encontro das duas frentes de trabalho, no ponto onde hoje se encontra a antiga estação de ligação. Após um percurso de quatro séculos, consolidavase a integração do território mato-grossense, mas ainda havia um longo percurso para a conclusão efetiva da ferrovia. Ainda inconclusa, a mobilização humana e o escoamento econômico seriam o elemento materializador do surgimento e da dinâmica das estações e dos povoamentos. Levas infindas de trabalhadores, comerciantes e famílias alterariam definitivamente a história e a identidade sul-mato-grossense.


30 Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru. Salto do Itapura. Momento da união dos trilhos em ligação. Trilhos sobre o Pantanal.


¹ A Guerra do Paraguai contribuiu para agravar progressivamente a crise entre monarquistas e militares que queriam mais liberdade nas decisões nacionais. Os anos 1870 – 1880 abrigaram conflitos e desavenças geradas por diferenças ideológicas e relações de poder. Os ideais republicanos e abolicionistas pulverizados pela Igreja Positivista, fundada em 1881, pelo filósofo Miguel Lemos, agregaram políticos e militares, como Rui Barbosa, Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca. Com a fundação do Clube Militar em 1887, para fortalecer a influência militar no território nacional, as relações entre o Império e os militares se dissolveram definitivamente, culminando na queda do governo imperial e na Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. ² O reconhecimento definitivo da margem direita do rio Apa e a ampliação do território fronteiriço brasileiro em 62.325 km² puseram fim às demandas seculares entre os dois países, garantindo a hegemonia nacional da região e a livre navegação no Paraguai. Outro grande desafio ainda preocupava o governo imperial: a ocupação humana. ³ A logística da guerra foi algo penoso e extensivamente caro para o Império. A incursão de tropas expedicionárias oriundas de várias províncias, rompendo o vasto, vazio e inóspito terreno mato-grossense rumo ao campo de batalha, provocava baixas nos contingentes. As doenças transmitidas por vetores, a fome, por falta de logística de abastecimento, e a exaustão de jornadas infindáveis a pé surravam, sem piedade, os combatentes que chegavam ao conflito esgotados e sem equipamento necessário. ⁴ Construída pela Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, de propriedade de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, foi inaugurada em 30 de abril de 1854. A ferrovia possuía 14,5 km e unia o pequeno vilarejo de Fragoso até o porto construído por Mauá, na Baía de Guanabara. Foram os primeiros quilômetros de trilhos assentados em solo brasileiro, para escoar a produção cafeeira do Rio de Janeiro. ⁵ Apenas dez anos após a invenção da locomotiva a vapor, por George Stephenson, em 1825, o Brasil já vislumbrava o novo e mais rápido meio de transporte como uma possibilidade de escoamento de mercadorias e a integração de seu território continental. Centenas de planos ferroviários seriam apresentados a partir de 1835, que se estenderiam até o século XX, reconhecidos pelos nomes de seus idealizadores, como o Plano Rebelo, em 1838; o Plano Cristiano Otoni, em 1859; o Plano Morais, em 1869; o Plano Rebouças, em 1874; o Plano Bicalho, em 1881; o Plano Rodrigo Silva, em 1886; o Plano Pandiá Calógeras, em 1926; o Plano Paulo de Frontin, em 1826. ⁶ Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795 – 1850) foi um político, jornalista e jurista brasileiro, foi deputado da primeira Assembleia Legislativa Imperial. Autor do projeto de criação do Supremo Tribunal Eleitoral em 1826. Conjuntamente com os deputados Manoel Paranhos da Silva Veloso e José Florindo de Figueiredo Rocha, apresentou à Câmara dos Deputados, em 3 de outubro de 1835, o primeiro projeto de concessão de ferrovia no Brasil. Em 31 de outubro, o então regente, Diogo Antônio Feijó, assinou o Decreto nº 101, que autoriza o Governo a conceder concessões a companhias para construir e explorar, no período de quarenta anos, três ferrovias, partindo da capital federal com destino às províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. ⁷ José Silvestre Rebello (1777 – 1844) foi um político e diplomata brasileiro de origem portuguesa. Foi plenipotenciário do Brasil nos Estados Unidos. ⁸ Irineu Evangelista de Sousa (1813 – 1889) foi um industrial e político brasileiro. Contribuiu amplamente para o desenvolvimento e industrialização no Brasil, fundou nos anos 1850 o Banco Mauá, MacGregor & Cia. Foi responsável pelo início da iluminação pública a gás, pela viabilização de esgoto e a instalação de bondes e trens no Rio de Janeiro. Devido aos serviços prestados, recebeu o título de Visconde de Mauá em 1854 e Barão de Mauá em 1874. Grande empresário, diversificou seu comércio em setores como a pecuária, a cafeicultura e a navegação. ⁹ William Lloyd (1822 – 1905) foi um engenheiro e artista plástico britânico que trabalhou em diversos projetos ferroviários no Brasil. Participou de inúmeras expedições de exploração e reconhecimento do território brasileiro. ¹⁰ Antônio Pereira Rebouças Filho (1839 – 1874) foi um engenheiro militar brasileiro. Especialista em construção de estradas de ferro e portos marítimos, atuou em estudos, projetos e construção de diversos empreendimentos ferroviários brasileiros em sua época. Foi idealizador da ferrovia Curitiba – Paranaguá. Morreu em 1873, aos trinta e cinco anos, após contrair malária. ¹¹ Christian Palm (1834 – 1873) foi um engenheiro militar sueco radicado no Brasil, contribuiu para a o desenvolvimento ferroviário brasileiro. Foi um dos mais influentes engenheiros ferroviários de sua época e um dos responsáveis da Paraná and Mato Grosso Survey Expedition. Foi responsável pela exploração territorial das províncias do Paraná e de Mato Grosso, durante os estudos de viabilização da ferrovia Curitiba – Miranda. ¹² Thomas Cochrane (1805 – 1873) foi um médico homeopata britânico naturalizado brasileiro. Chegou ao Brasil no início dos anos 1830. Participou ativamente no desenvolvimento dos projetos ferroviários brasileiros. ¹³ Rio do estado do Paraná, possui 685 km de extensão. É um dos afluentes do rio Paraná. NOTAS UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 36


¹⁴ Teodoro Machado Freire Pereira da Silva (1832 – 1910) foi um político e advogado brasileiro, oriundo da província de Pernambuco. Foi deputado provincial e presidente das províncias da Paraíba, Bahia e do Rio de Janeiro. Ocupou o cargo de ministro da agricultura, comércio e obras públicas. ¹⁵ Antigo nome da atual cidade de Paranaíba, estado de Mato Grosso do Sul, Sant'Anna do Paranahyba foi fundada em 1838, por criadores de gado oriundos da região de Uberaba, Minas Gerais. Esses mineiros, em busca de novas pastagens, atravessavam os rios Paranaíba e Grande para as extensas planícies devolutas da então província de Matto Grosso. Durante décadas, esse vilarejo foi o único povoado em centenas de quilômetros no leste mato-grossense. Suas relações administrativas dependiam da capital Cuiabá. Cidade próxima da tríplice fronteira das províncias de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, durante a Guerra do Paraguai, teve grande importância logística, uma vez que se tornava ponto de paragem das tropas mineiras e paulistas rumo à fronteira e de retirantes civis que se evadiam do conflito. Devido à sua logística e à proximidade das duas principais províncias do Império, inúmeros projetos ferroviários contemplavam Sant'Anna do Paranahyba como rota principal para a transposição dos trilhos em solo mato-grossense. ¹⁶ Francisco Antônio Pimenta Bueno (1836 – 1888) foi um engenheiro, militar, matemático, político, escritor e historiador brasileiro. Nascido em Cuiabá, contribuiu para o estudo e exploração do território mato-grossense e para o desenvolvimento de estudos ferroviários brasileiros. Foi presidente da província do Amazonas e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. ¹⁷ Francisco Antônio Monteiro Tourinho (1837 – 1885) foi um engenheiro militar brasileiro. Foi responsável pelo estudo e pela construção de importantes ferrovias, como a Ferrovia Curitiba – Antonina e o estudo de viabilidade de uma ferrovia Atlântico – Pacífico. ¹⁸ Em 1880, é fundado o Clube de Engenharia do Rio de janeiro. Fundado em 24 de dezembro de 1880, com o objetivo de agregar grandes pensadores da engenharia brasileira, discutir e analisar os grandes empreendimentos nacionais, o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro se tornou um dos institutos mais proeminentes do Brasil. Participou na apresentação e avaliação de grandes projetos de engenharia e arquitetura, ao longo de mais de 140 anos de existência. ¹⁹ Comissão criada em 1890, pelo recém-instaurado governo republicano, para estudar e desenvolver os planos logísticos de desenvolvimento nacional. ²⁰ Antônio Francisco de Paula Souza (1843 – 1917) foi um engenheiro, diplomata e político brasileiro, formado em Karlsruhe na Alemanha. Estudou também na Zürich Polytechnikum, morou na Itália, onde participou da revolução de independência italiana, alistando-se no exército de Giuseppe Garibaldi e Estados Unidos. Retornou ao Brasil próximo da Proclamação da República. De formação liberal, foi deputado da câmara estadual, ministro das relações exteriores e ministro da agricultura. Como deputado, fundou a Escola Politécnica de São Paulo em 1894. Contribuiu imensamente para a implantação ferroviária, participando da construção de ferrovias importantes, como a Estrada de Ferro Ituana e a Estrada de Ferro Rio Claro – São Carlos. ²¹ Fundado em 31 de janeiro de 1890, pelos políticos Antonio de Lacerda Franco e João Baptista de Mello Oliveira, o Banco União de São Paulo financiava atividades agrícolas e industriais, como portos, ferrovias, construções industriais, estradas etc. Encerrou suas atividades em 1906, e seu espólio deu origem ao atual conglomerado industrial Votorantim. ²² Cristiano Benedito Otoni (1811 – 1896) foi um militar, político e matemático brasileiro. Pioneiro da engenharia ferroviária no Brasil, é considerado atualmente “pai das ferrovias brasileiras”, por ser o primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II. De formação liberal, foi senador do Império e da República e grande defensor da abolição. ²³ Fundada em 1896, Bauru era um pequeno povoado pertencente ao município de Espírito Santo da Fortaleza. Após a chegada das estações da Estrada de Ferro Sorocabana e da Estrada de Ferro Bauru – Itapura, em 1905, o pequeno lugarejo começa a crescer, tornando-se sede regional. Sua proximidade a São Paulo dos Agudos, sendo local propício para a continuidade da ferrovia ao Mato Grosso, fez com que o projeto ferroviário da Companhia Estradas de Ferro Noroeste do Brasil a escolhesse como ponto de partida. Em 1910, os trilhos da Companhia Paulista de Estrada de Ferro chegam ao município. ²⁴ Fundada em 1897, na região cafeeira da Serra dos Agudos, São Paulo dos Agudos, foi porta para o sertão paulista e limite das regiões povoadas. Em 1903, é inaugurada a Estação da Companhia União Sorocabana e Ytuana. A partir de 1905, a cidade passou a se chamar apenas Agudos. ²⁵ Émile Armand Henri Schnoor (1855 – 1923), conhecido como Emilio Schnoor, foi um engenheiro francês naturalizado brasileiro, de pais alemães. Após a morte da mãe, imigrou com o pai e o irmão para o Rio de Janeiro. Formou-se na Academia de Belas Artes, atual Escola Nacional de Belas Artes e na Escola Central, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalhou na Estrada de Ferro D. Pedro II e na Estrada de Ferro Mogiana. Em 1903, foi contratado para a expedição de estudos de viabilização da ferrovia até o Mato Grosso. Foi grande vanguardista no desenvolvimento ferroviário nacional. ²⁶ Memorial do Projeto de Estrada de Ferro a Matto Grosso e Fronteira da Bolívia. ²⁷ Antiga colônia militar, fundada em 1858, às margens do rio Tietê, onde havia o Salto do Avanhandava. Esse Salto foi submerso em 1982, após a construção da usina hidrelétrica de Nova Avanhandava. UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 37


²⁸ Antiga colônia militar, às margens do rio Tietê, onde havia o Salto do Itapura, próxima da sua foz no rio Paraná. Esse Salto foi submerso em 1969, após a construção da usina hidrelétrica de Jupiá. ²⁹ A área em verde corresponde ao território despovoado da província. As linhas em preto correspondem às ferrovias em tráfego. ³⁰ Salto, no rio Paraná, próximo da foz do rio Tietê, foi submerso em 1969, após a construção da usina hidrelétrica de Jupiá. ³¹ Lauro Severiano Muller (1863 – 1926) foi um militar e político brasileiro. Neto de imigrantes alemães, formou-se em engenharia pela Escola Militar da Praia Vermelha, em 1882, alcançando a patente de general de divisão. De pensamentos liberais e republicanos, participou, como militar, do governo provisório republicano, em 1890. Como político, foi governador interino do estado de Santa Catarina, deputado federal, senador da república e ministro da indústria, viação e obras públicas e ministro das relações exteriores. Intelectual atuante, tornou-se imortal da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira do falecido Barão do Rio Branco. ³² Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848 – 1919) foi um jurista, militar e político brasileiro. Foi vereador da cidade de Guaratinguetá, conselheiro imperial e presidente da província de São Paulo durante o Império. Após a Proclamação da República, ocupou o cargo de presidente do estado de São Paulo e presidente do Brasil em dois mandatos, de 1902 a 1906 e, posteriormente, de 1918 a 1922. Faleceu em 1919, durante a pandemia da gripe espanhola. ³³ Seus primeiros 103 km foram aprovados pelo Decreto nº 1658, de 20 de janeiro de 1894. ³⁴ Criada em 21 de junho de 1904, a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB) teve como primeiro diretor o engenheiro João Teixeira Soares, que também era diretor da ferrovia Vitória – Minas. ³⁵ O Decreto nº 5.266, de 30 de julho de 1904, transfere a concessão da ferrovia Uberaba – Coxim à Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB). As alterações do trajeto dessa ferrovia foram aprovadas pelo Decreto nº 5.349, de 19 de outubro de 1904, originando a ferrovia Noroeste do Brasil. ³⁶ Luiz Felipe Gonzaga de Campos (1856 – 1925) foi um geólogo e engenheiro de minas brasileiro. Formado na Escola de Minas de Ouro Preto, foi membro da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios, atual Instituto Nacional de Tecnologia. ³⁷ A Compagnie Générale de Chemins de Fer et Travaux Publics foi fundada em1902, em Bruxelas, capital da Bélgica. A partir de 1890, a criação de companhias e sociedades belgas e francesas para investimentos mobiliários começam a atuar intensamente no Brasil. O caráter de capital participativo, por meio de ações e debêntures, incentivou o financiamento a médio e longo prazo de grandes empreendimentos ferroviários. Uma grande rede de investidores internacionais e brasileiros era composta por acionistas e obrigacionistas de companhias criadas para o financiamento de ferroviais nacionais, como a Compagnie des Chemins de Fer Soud-Ouest Brésilien, criada em 1890; a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, criada em 1897, ambas pertencentes à Compagnie Générale des Chemins de Fer Secondaires. Essas Companhias fomentavam amplamente o comércio industrial belga, vendendo materiais e tecnologias para seus empreendimentos. Essa abertura comercial com a Bélgica e a França deve-se à forte influência cultural e educacional desses países no Brasil, já que muitos especialistas brasileiros se formaram em suas universidades, em um período em que inexistiam universidades no país. ³⁸ Joaquim Machado de Mello (1856 – 1925) foi um engenheiro ferroviário brasileiro. Matriculou-se na Université de Gand, na Bélgica, em 1874. No retorno ao Brasil, em 1880, participou de grandes empreendimentos, como a construção da Estrada de Ferro Leopoldina. Faleceu em 1925, em Paris. ³⁹ Empreza Constructora Machado de Mello. ⁴⁰ Outras companhias de financiamento, como as francesas Société Générale e Banque de Paris et des Pays Bas, eram também acionistas de diversos empreendimentos logísticos no Brasil. ⁴¹ Inaugurada em 27 de setembro de 1906, a Estação de Tibiriçá leva o nome do presidente do estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá Piratininga. ⁴² Inaugurada em 27 de setembro de 1906, a Estação de Jacutinga leva o nome da fazenda onde foi erigida. Após a construção, fundou-se um pequeno povoado com o nome de São João do Jacutinga, posteriormente alterado para Avaí, nome do córrego que banha a região, devido à relação homônima com o município de Jacutinga, em Minas Gerais. ⁴³ Inaugurada em 27 de setembro de 1906, a Estação de Presidente Alves leva o nome do Presidente do Brasil, Francisco de Paula Rodrigues Alves. ⁴⁴ Inaugurada em 27 de setembro de 1906, a Estação de Lauro Muller levou o nome do então ministro da viação e obras públicas. Foi inaugurada incompleta, sendo liberada integralmente em 14 de janeiro de 1907. Nos anos 1940, o nome foi substituído por Ministro Calmon, em homenagem a Miguel Calmon Du Pin e Almeida, nobre, político e diplomata brasileiro. ⁴⁵ A ausência referencial de estradas, trilhas ou picadas, na mata quase infindável, e ainda a surpresa do encontro com os índios e os mosquitos que distribuíam, em larga escala, a malária, a febre amarela e a leishmaniose inviabilizavam a franca incursão território adentro. Em grande parte do percurso, Saint Martin e sua equipe utilizaram as bravas e acidentadas UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 38


correntezas do Tietê. Esse martírio se estendeu até a construção, ceifando a vida de centenas de trabalhadores. A Noroeste, sem sombra de dúvidas, foi uma das maiores epopeias ferroviárias brasileiras, feita a ferro e sangue. ⁴⁶ Sylvio Saint-Martin foi um engenheiro ferroviário francês radicado no Brasil. Foi responsável pelas expedições de reconhecimento topográfico e territorial do segundo trecho da Noroeste do Brasil, até as margens do rio Tietê. ⁴⁷ A ausência de tecnologia e equipamentos modernos, para transpor áreas acidentadas e de altitude, exigia o distanciamento dos obstáculos naturais, prolongando o percurso. ⁴⁸ O rebojo do Jupiá foi uma série de corredeiras que se localizavam próximo da foz do rio Tietê. Os primeiros relatos sobre o Jupiá remontam ao século XVI, como D. Luís de Cespedes Xeria, governador do Paraguai, em 1628, e o sargento-mor Teotônio José Juzarte, em 1769, que relatou sobre as “cachoeiras do Jupiau”, em seu diário de navegação. Foi submerso após a construção da Usina de Jupiá, em 1969. ⁴⁹ Rio situado no estado de Mato Grosso do Sul, pertencente à sub-bacia do rio Paraná. Afluente pela margem direita do rio Paraná, possui uma extensão de 450 km. ⁵⁰ Rio situado no estado de Mato Grosso do Sul, pertencente à bacia do rio Paraná. Afluente pela margem esquerda do rio Verde. ⁵¹ Rio situado no estado de Mato Grosso do Sul, pertencente à bacia do rio Paraná. Afluente pela margem direita do rio Paraná. ⁵² Rio situado no estado de Mato Grosso do Sul, pertencente à bacia do rio Paraná. Afluente pela margem direita do rio Paraná. ⁵³ Campo Grande foi fundada em 1872, por mineiros oriundos do Triângulo Mineiro, que após a Guerra do Paraguai retornaram aos campos de vacaria, com suas famílias, gado e escravos. Em 1907, o vilarejo contava com algumas centenas de habitantes e era o único povoamento em mais de 400 km Mato Grosso adentro. Importante centro comercial pecuário, o engenheiro Schnoor vislumbrou a possibilidade de estabelecer ali uma importante estação para sediar o entroncamento de dois ramais, um rumo a Cuiabá e outro em direção a Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai. O ramal da capital do estado nunca foi construído. ⁵⁴ Empresa construtora fundada pelos engenheiros Pedro José Versiani e Miguel Arrojado Ribeiro Lisbôa. Os engenheiros polivalentes foram responsáveis por diversos estudos e trabalhos referentes ao desenvolvimento das potencialidades minerais, logísticas e territoriais no sul de Mato Grosso e em outros estados do país. ⁵⁵ José Matoso de Sampaio Correia (1875 – 1942) foi um engenheiro, professor e político brasileiro. Formou-se em engenharia, em 1898, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, lecionando na cátedra de estradas de ferro, pontes e viadutos. Foi convidado pelo presidente Afonso Pena (1906 – 1909) para ocupar o cargo de inspetor-geral de obras públicas. Trabalhou em diversos empreendimentos ferroviários, como na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, na Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, na Estrada de Ferro Maricá. Foi diretor da Compagnie Générale de Chemins de Fer du Brésil. Como empresário, foi proprietário da Companhia Camargo Correia e da Usina Santa Luzia, uma das maiores usinas sucroalcooleiras do país, nos anos 1930. Foi um dos precursores da aviação nacional, no início dos anos 1920, e ocupou o cargo de diretor da Companhia Aeropostal Brasileira. Na vida pública, foi eleito diversas vezes senador da república e deputado federal. Foi deputado federal constituinte em 1934. ⁵⁶ Francisco Paes Leme de Monlevade (1860 – 1944) foi um engenheiro ferroviário brasileiro. Formou-se em engenharia na Escola de Ouro Preto. Mudou-se para a Inglaterra e o país de Gales, onde trabalhou em indústrias metalúrgicas. Após seu retorno ao Brasil, ocupou o cargo de mestre das oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil. Foi um dos mais importantes engenheiros ferroviários brasileiros. Atuou na construção da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sendo diretor geral por vários anos. Inaugurou, em 2 de julho de 1922, o primeiro trem elétrico da América do Sul, tornando-se pioneiro na eletrificação ferroviária. Foi diretor da Estrada de Ferro Sorocabana. Em 1930, foi nomeado secretário de viação e obras públicas do estado de São Paulo. ⁵⁷ F. Monlevade & CIA. ⁵⁸ Após análise do melhor ponto de travessia sobre o rio Paraná, ficou concluído que o melhor local seria o rebojo do Jupiá, pois nesse local não seria necessário construir outra ponte sobre o rio Sucuriú, como indicado pelo projeto de Schnoor. UMA FERROVIA E A CONSODAÇÃO TERRITORIAL NO SUL DO MATO GROSSO 39


Capítulo IV ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE Certamente, com a conclusão da linha de rodagem até as margens do rio Paraguai, em Porto Esperança,¹ o fluxo de pessoas, migrantes² e imigrantes viam, no avanço dos trilhos e na formação das novas estações em seu percurso, novas oportunidades de vida para suas famílias. A construção das estações ferroviárias alterou definitivamente o contraste territorial onde se instalavam. O caráter integrador da Noroeste do Brasil concretizou a ocupação e o assentamento do vasto “mundo despovoado”,³ formando novas povoações, novos entrepostos de escoamento e abastecimento de mercadorias e locais, onde se encontravam assentados rurais e, principalmente, a mobilização econômica que serpenteava os trilhos, por meio de comerciantes itinerantes e novas casas de comércio. Se no Centro-Oeste e no sudoeste paulista, a Ferrovia Noroeste do Brasil e a Companhia Paulista de Estradas de Ferro desenvolveram suas terras ricas e propícias ao café, o cerrado sul-mato-grossense ocupou-se muito bem com a vacaria, corrente há décadas pelos migrantes mineiros que se instalaram na região com suas famílias, tropas e rebanhos. A Ferrovia permaneceu por mais de oito décadas abrindo e fechando estações em seu percurso, atendendo às demandas logísticas e ocupatórias locais e regionais. O entorno da estação ferroviária, muitas vezes, era um verdadeiro complexo, composto de oficina de abastecimento e manutenção, garagem, rotunda, pátio de manobra, oficina de pontes e carpintaria, marcenaria e a vila de trabalhadores. Assim, as estações de povoados eram pontos estratégicos e sedes administrativas regionais. A própria Ferrovia se encarregava do novo desenvolvimento, uma vez que povoava, empregava, escoava e fornecia produtos dos mais diversos, além de contribuir para um grande amálgama étnico e cultural, com a vinda de trabalhadores de todos os continentes e brasileiros de outras regiões. Hábitos e costumes sociais moldados através do tempo por essa ampla diversidade multinacional ainda constroem o modus vivendi e a identidade sulmato-grossense. A margem paulista acolheu grande número de imigrantes italianos, espanhóis, portugueses e japoneses, devido ao caráter agrícola⁴ e à fácil adaptação dessas nacionalidades ao plantio do café, enquanto que o sul do Mato Grosso foi local propício para o perfil empreendedor de árabes, turcos e armênios, por meio do comércio itinerante.⁵ Tudo se desenvolvia e se desenrolava nas proximidades das estações ferroviárias. Os povoados e as cidades existentes no percurso da Ferrovia se desenvolveram sobremaneira e novas cidades surgiam em locais despovoados. No início, estações provisórias eram adaptadas em vagões, para auxiliar no trabalho de desmatamento e na construção civil. As terras, onde eram construídas as estações, eram desapropriadas pelo poder público, bem como doadas pelo proprietário 40


latifundiário à Igreja Católica, ou vendidas para as companhias de colonização que as parcelavam para a formação de núcleos de povoamento e paróquias. Cidades, como Araçatuba,⁶ Birigui,⁷ Lins,⁸ Avaí⁹ e Pirajuí,¹⁰ surgiram em pouco mais de uma década. Em 26 de agosto de 1910, foram assentados os últimos metros de trilho em solo paulista, nas barrancas do rio Paraná, no rebojo do Jupiá. Em 4 de novembro, foi inaugurada a Estação de Jupiá,¹¹ à margem paulista, e em 31 de dezembro foi inaugurada a Estação de Três lagoas.¹² Em razão da distância entre Bauru e Campo Grande, a Companhia Machado de Mello, então encarregada pela construção da Ferrovia, decidiu pela instalação de um núcleo urbano que fosse sede regional e a primeira cidade na margem mato-grossense. Foi solicitado aos engenheiros Oscar Teixeira Guimarães, Justino Rangel França e Antônio Molina de Queiroz um projeto que atendesse todas as necessidades essenciais para um rápido desenvolvimento urbano. Em 1911, é apresentado o plano da cidade, com restaurante, hotel, praças, sede administrativa e cadeia pública, uma cidade plana com alamedas e ruas amplas. Foi a partir de 1912, com o avanço da construção dos trechos e a construção das inúmeras estações em solo mato-grossense,¹³ que novos povoamentos surgiram: Três Lagoas, Cervo,¹⁴ Arapuá,¹⁵ Buritizal,¹⁶ Barão do Rio Branco,¹⁷ Água Clara,¹⁸ Arlindo Luz,¹⁹ Ribas do Rio Pardo,²⁰ Balsamo,²¹ Alegre,²² Ligação,²³ Lagoa Rica²⁴ e Campo Grande.²⁵ A partir do rio Paraguai, surgiram Porto Esperança,²⁶ Carandazal,²⁷ Bodoquena,²⁸ Caduveus,²⁹ Guaicurus,³⁰ Salobra,³¹ Miranda,³² Visconde de Taunay,³³ Aquidauana,³⁴ Piraputanga³⁵ e Correntes.³⁶ Desde o início do empreendimento ferroviário da Noroeste, a instabilidade econômica contribuiu para o atraso na conclusão e entrega dos trechos. Os prédios das estações e as moradias de trabalhadores não passavam de choupanas construídas provisoriamente. As pontes ao longo do percurso eram de madeira e os dormentes dos trilhos eram de má qualidade. Em 1918, a Ferrovia não possuía oficinas nem estruturas eficientes. A qualidade logística estava cada vez preocupante, comprometendo o bom trabalho ferroviário. Nesse ano, o Sr. Arlindo Gomes Ribeiro da Luz³⁷ assume a Diretoria da Ferrovia, com o grande desafio de consolidá-la e modernizá-la. Durante sua gestão, todas as sedes de estações foram substituídas por prédios em alvenaria, inclusive os armazéns, as oficinas e as casas de funcionários nas esplanadas. Foram substituídos os dormentes dos trilhos, pontes e pontilhões foram construídos em alvenaria. Foi durante esse período que se iniciou a construção da ponte sobre o rio Paraná.³⁸ Com a chegada dos trilhos, Campo Grande viu a possibilidade de seu real desenvolvimento urbanístico, demográfico e econômico e a fundação de sua estação em 6 de setembro de 1914. Contudo, é a partir dos anos vinte que a Ferrovia sofreria um grande impulso de desenvolvimento, em que novas estações e cidades surgiriam e os centros ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 41


Vagão-estação em Porto Esperança. Salto do Itapura, em 1909. Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru. Planta da futura cidade de Três Lagoas - 1911.


Casa para trabalhadores em “pau a pique” 1910. Primeira estação de Três Lagoas, inaugurada em 1910. Antigos e novos prédios após a modernização em 1922. Fonte: Museu Ferroviário Regional de Bauru.


ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 44 urbanos já existentes ampliariam suas capacidades econômicas e demográficas. Em território mato-grossense, o escoamento da produção pecuária e a importação de todos os tipos de bens de mercados ampliaram as cidades e atraíram novos investimentos. Antes, dependente apenas do Porto de Corumbá e das estradas insalubres e alagadiças do Pantanal, o percurso ferroviário até as margens paulistas impactaria definitivamente a logística do Estado, que antes era isolado. A influência do padrão francês de ferrovia na Noroeste do Brasil deveu-se pelo plano de investimento e das participações das companhias belgas e francesas que financiavam o avanço dos trilhos. A Noroeste surgiu de uma “filosofia ferroviária francesa,³⁹ uma vez adaptadas às particularidades locais. Até os anos 1930, o avanço logístico, a formação contínua de estações ferroviárias e a modernização de equipamentos e estruturas, como a aquisição de novas locomotivas, contribuíam para o discurso de internacionalização⁴⁰ dos trilhos. Se no lado paulista, as mudanças eram constantes, com o surgimento de novos povoados e estações; o lado mato-grossense pouco avançava. Em 1937, iniciou-se o estudo de um ramal⁴¹ que seguisse de Campo Grande até a fronteira paraguaia, em Ponta Porã. Em janeiro de 1938, foi indicada a comissão responsável pelos estudos. Em 16 de julho, começaram os trabalhos de terraplanagem para a construção, enquanto outras duas equipes seguiam a exploração rumo à fronteira, atingindo Ponta Porã, após o reconhecimento de trezentos e vinte quilômetros. Todo o percurso seria concluído com a inauguração da Estação de Ponta Porã, em 1953. Após uma década e meia, o ramal abrigaria as estações de Mario Dutra,⁴² Indubrasil,⁴³ Guavira,⁴⁴ Bolicho,⁴⁵ Sidrolândia,⁴⁶ Piúva,⁴⁷ Piqui,⁴⁸ Brilhante,⁴⁹ Maracaju,⁵⁰ Sete Voltas,⁵¹ Ministro Pestana,⁵² Itahum,⁵³ Presidente Dutra,⁵⁴ General Rondom,⁵⁵ Santa Virginia⁵⁶ e Ponta Porã.⁵⁷ É a partir dos anos 1950 que novamente o fôlego econômico da Ferrovia começa a esvair-se. Apesar da substituição das maquinas a vapor por modernas locomotivas a diesel, o desenvolvimento em áreas distantes da linha férrea potencializou os investimentos na via rodoviária e nos transportes de cargas, bem como a aquisição cada vez maior dos automóveis de passeio. O Governo Federal decidiu centralizar seus esforços na expansão da malha rodoviária nacional. Então, em 1957, durante a gestão do presidente Juscelino Kubistchek,⁵⁸ são inauguradas as primeiras montadoras de automóveis no país e as ferrovias encampadas pela União com a criação da Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), por meio da Lei nº 3.115, de 16 de março, com o objetivo de regulamentar e gerir as dezenove ferrovias nacionais. Durante quase quarenta anos a Noroeste do Brasil, sob os auspícios da RFFSA, mantiveram-se suas atividades, em meio à falta e à restrição de investimentos necessários à modernização, a reequipagem e a ampliação de suas atividades. Por sua capacidade industrial, por meio de suas oficinas e caldeirarias, a manutenção eficaz e os profissionais eficientes formados em suas escolas profissionalizantes aumentaram consideravelmente a sua existência.


ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 45 Pátio da estação de Três Lagoas em 19/7/1950. Fonte: . A expansão das estradas de rodagem, cada vez mais, inviabilizava as estações, que ora se tornavam obsoletas e em desuso, abandonadas ao longo da linha. Novas estações ainda surgiam próximas das áreas urbanas e dos povoadas. Nos anos seguintes, o sucateamento insustentável e a queda dos serviços ferroviários⁵⁹ inviabilizavam seu orçamento. A crise do setor ferroviário fez com que o Governo Federal inserisse a RFFSA no Plano Nacional de Desestatização (PND), por meio do Decreto nº 473, de 10 de março de 1992. Em 5 de março de 1996, a Noroeste do Brasil, agora sob o nome Malha Oeste, é privatizada e sua concessão é cedida à Ferrovia Novoeste S/A.⁶⁰ No mesmo ano, o serviço de passageiros é extinto. Houve o aumento de vagões e fluxo de cargas. Inúmeras estações foram desativadas e a manutenção e o condicionamento dos prédios estão desprovidos de função, abandonados. Em 2002, após a privatização, a Novoeste S/A se funde com as empresas Ferroban⁶¹ e Ferronorte,⁶² originando a Brasil Ferrovias S/A.⁶³ Quase um século após o início de um dos maiores empreendimentos ferroviários do mundo, a Noroeste agoniza em seu leito de mais de 1.700 quilômetros, à sorte do descaso e da exploração desmedida. A privatização golpeou drasticamente o modal ferroviário nacional, com uma vastidão de áreas e estruturas saqueadas e destruídas. A RFFSA foi definitivamente extinta pela Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007. Atualmente, todo o patrimônio ferroviário não operacional encontrase em estado de degradação.


¹ A Estação de porto Esperança foi fundada em 31 de dezembro de 1912, foi ponto inicial da Estrada de Ferro Corumbá – Itapura, iniciadas as construções em 3 de maio de 1908. Apesar de ser parte fundamental do elo entre Corumbá à linha férrea, a Estação de corumbá seria inaugurada quarenta anos depois. ²A grandiosidade do empreendimento aliado ainda à oportunidade do café bem como as crises econômicas e beligerantes em outros continentes, trouxeram uma vasta gama de imigrantes que compunham a força de trabalho. Portugueses, espanhóis, italianos, sírios, libaneses, armênios, argentinos, paraguaios, russos e poloneses, contribuíam para o progresso social e econômico no surgimento de novas estações e na formação de novas cidades. ³ Este termo equivocado, lugar-comum em sua época, representava ainda o pensamento eurocentrista, não reconhecendo a população indígena, seu legado histórico e cultural e também seu pertencimento. ⁴ A tradição agrícola europeia devia-se ao caráter rural ainda predominante em países como a Itália e a Península Ibérica. Foi com a imigração iniciada na segunda metade do século XIX devido a a abolição da escravatura e a falta de trabalhadores no campo e, posteriormente na primeira metade do século XX devido a ascensão do café que o fluxo de imigrantes em terras brasileiras aumentou consideravelmente. Os europeus eram mais ligados à produção agrícola do que o comércio, se instalando nas regiões cafeeiras como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. ⁵ A imigração médio-oriental, em solo brasileiro foi importante para a integração econômica e territorial. Histórica e Identitáriamente ligados ao comercio e á transeúncia, sírios e libaneses franqueavam as vastas regiões brasileiras comerciando a mais ampla sorte de mercadorias e se instalando em áreas mais longínquas. ⁶ Em 1908, os trilhos da Noroeste do Brasil chegam ao Local onde surgiria o povoado de Araçatuba. De início, a Estação era um vagão provisório. A qualidade des suas terras excelentes para o plantio e a pecuária atraíram seus novos povoadores. Sua Estação foi fundada no dia 13 de dezembro de 1912. O local era povoado por índios Caingangues, o que ocasionou conflitos sangrentos entre os silvícolas e os trabalhadores da ferrovia. Foi emancipada no dia 8 de dezembro de 1920. Futuramente a pecuária será o impulso para o fortalecimento econômico regional. ⁷ O povoado de birigui surge com a instalação da instalação da Estação provisória de Araçatuba. Em 1911, cafeicultores oriundos da região mogiana se instalam no local, adquirindo mais dois vagões da ferrovia para a instalação de mais uma Estação provisória, aberta em 1912. Em 1917 foi construído o primeiro prédio demolido em 1921 para a construção de outro em alvenaria. ⁸ Antiga Estação de Campestre, no povoado de Santo Antônio do Campestre, a Estação foi alterada para Albuquerque Lins no dia 16 de fevereiro de 1908, em homenagem ao político e então Presidente do Estado de São Paulo, Manoel Joaquim de Albuquerque Lins (1852 – 1926). Foi emancipada como Lins no dia 21 de abril de 1920. ⁹ Inaugurada no dia 27 de setembro de 1906 como Jacutinga, posteriormente o nome é alterado para Avaí. ¹⁰ Estação fundada em 1906 no antigo povoado de São Sebastião do Pouso Alegre, pertencente à Bauru. em 1907 o Nome é Alterado para Pirajuhi. Emancipou-se em 29 de março de 1915. ¹¹ A Estação de Jupiá foi inaugurada primeiramente na margem paulista do rio Paraná, posteriormente, no final dos anos 1920 foi transferida para a margem mato-grossense próxima à Três Lagoas, devido ao surgimento de um povoado ribeirinho de pescadores. ¹² A Estação de Três Lagoas foi inaugurada no dia 31 de dezembro de 1910. Foram desapropriados 3.600 hectares de propriedade do senhor Antônio Trajano dos Santos, para a o surgimento de uma sede municipal. ¹³ Apesar do avanço da ferrovia, o perfil pecuário e a vasta extensão de grandes latifúndios, em pouco contribuíram para o surgimento constante de novas cidades. A maioria das estações eram pontos de abastecimento e de escoamento de mercadoria e de transporte de moradores rurais para maiores povoados. Muitas estações se tornaram pequenos povoamentos, patrimônios e distritos de cidades ao longo da linha. O Estado que compreende 357.125 Km², atualmente possui 79 municípios. ¹⁴ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912, posteriormente pertencente ao município de Três Lagoas. Entrou em desuso e seu prédio foi demolido nos anos 1980. ¹⁵ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912 nas terras da recém adquiridas pela empresa americana Brazil Land, Cattle and Packing Company. Em 1942, essas terras retornam à união, sendo leiloadas em 1950 e adquiridas por Arthur Hofig e Alberto Amim Madi, formando a Fazenda Arapuá. Em 1959, uma área de aproximadamente de 5300 hectares foi selecionada para colonização e loteamento, originando o Distrito de Arapuá, oficializado em 1963. ¹⁶ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912. ¹⁷ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912. NOTAS ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 46


¹⁸ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912, às margens do Rio Verde. Atualmente é um município de 15,776 habitantes. ¹⁹ Estação inaugurada no dia 24 de julho de 1914. ²⁰ Estação fundada no dia 12 de outubro de 1914. Atualmente é um município de 24.966 habitantes. ²¹ Estação fundada no dia 12 de outubro de 1914 com um vagão como sede. Em 1918, com o plano de modernização de Arlindo Luz foi construída uma sede em Alvenaria. Abandonada nos anos 1990 após o fim do transporte de passageiros. ²² Estação fundada no dia 12 de outubro de 1914 com um vagão como sede. Em 1920, com o plano de modernização de Arlindo Luz foi construída uma sede em Alvenaria. Abandonada nos anos 1990 após o fim do transporte de passageiros. ²³ Estação fundada no dia 12 de outubro de 1914. A Estação de Ligação foi marco histórico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, pois foi em seu local que as duas frentes de construção, Bauru – Itapura e Corumbá – Itapura, fundiram seus trilhos, unindo todo o percurso da ferrovia. Atualmente seu prédio encontra-se abandonado e em desuso. ²⁴ Estação fundada no dia 12 de outubro de 1914, com o nome de Pedro Celestino, em homenagem ao politico matogrossense. Posteriormente seu nome foi substituído por Lagoa Rica. ²⁵ A Estação de Grande foi fundada no dia 6 de setembro de 1914. Campo Grande foi a principal cidade em solo matogrossense. Seria a cidade-chave ao receber outros ramais como o ramal Cuiabá que nunca foi concluído e o futuro ramal Ponta Porã. ²⁶ Estação fundada no dia 31 de dezembro de 1912, foi o ponto final da linha Tronco da Noroeste do Brasil. ²⁷ Estação inaugurada em 20 de setembro de 1912. Em 1952 os trilhos de Carandazal atingiram Corumbá. ²⁸ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912. Atualmente é um município de 7.875 habitantes. ²⁹ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912. ³⁰ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912. ³¹ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912. Atualmente é um pequeno povoado ribeirinho às margens do rio Miranda, próximo à ponte ferroviária. ³² Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912 na pequena cidade de Miranda, fundada em 1857. Miranda é oriunda da construção do antigo presidio de Nossa Senhora do Carmo do Rio Mondego, em 1778, como fortificação contra os hispânicos. Em 1835, se denomina Nossa senhora do Carmo de Miranda. Atacada pelos paraguaios durante a guerra, em 1865, no ano seguinte por decreto provincial se instala como Vila de Miranda. Atualmente possui 28.013 habitantes. ³³ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912.em homenagem à Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay (1843 – 1899), engenheiro militar e intelectual brasileiro. ³⁴ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912, no recém povoado de Aquidauana, distrito de Miranda desde 1906. ³⁵ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912. ³⁶ Estação inaugurada em 31 de dezembro de 1912 ³⁷ Arlindo Gomes Ribeiro da Luz (1871 – 1959), foi um engenheiro brasileiro. Ocupou o cargo de diretor da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil no período de 1918 a 1922. ³⁸ Solicitada sua estrutura metálica à American Bridge Company sedeada em Pittsburgh, no Estado da Pensilvânia, sua montagem inicia-se em 1923. Batizada como Ponte Francisco Sá, em homenagem ao ex-ministro da viação e obras públicas, ela foi inaugurada no dia 12 de outubro de 1926. ³⁹ O padrão ferroviário francês, assim como o padrão ferroviário inglês, possuía características distintas de gestão e de arquitetura. É perceptível com a modernização de 1922, a adoção de elementos de transição da “Art Nouveau” para a “Art Déco”. ⁴⁰ O projeto transoceânico foi, durante muito tempo, uma aposta para o governo federal, nos estudos e nos projetos iniciais da Noroeste do Brasil, já se contemplava uma vascularização da malha ferroviária para territórios internacionais por meio de acordos e parcerias com os países sul-americanos. Corumbá e Ponta Porã eram locais certos rumo ao Pacífico. ⁴¹ O ramal Ponta Porá foi sugerido pelo Engenheiro Emilio Schnoor Já durante os estudos de viabilização da ferrovia. ⁴² Estação inaugurada em 15 de maio de 1953. ⁴³ Estação inaugurada em 01 de outubro de 1936. ⁴⁴ Estação inaugurada em 17 de janeiro de 1945. ⁴⁵ Estação inaugurada em 19 de abril de 1944. ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 47


⁴⁶ Estação inaugurada em 19 de abril de 1944, como Anhanduí. Em 1953, após o surgimento de um povoado, foi emancipada com o nome de Sidrolândia. Atualmente possui 60. 792 habitantes ⁴⁷ Estação inaugurada em 21 de janeiro de 1945. ⁴⁸ Estação inaugurada em19 de abril de 1944. ⁴⁹ Estação inaugurada em19 de abril de 1944. ⁵⁰ Estação inaugurada em 19 de abril de 1944, na cidade de Maracaju. Atualmente possui 47.803 habitantes. ⁵¹ Estação inaugurada em 18 de maio de 1944. ⁵² Estação inaugurada em 18 de maio de 1949. ⁵³ Estação inaugurada em 18 de maio de 1949. ⁵⁴ Estação inaugurada em 19 de abril de 1953. ⁵⁵ Estação inaugurada em 19 de abril de 1953. ⁵⁶ Estação inaugurada em 19 de abril de 1953. ⁵⁷ Estação inaugurada em 19 de abril de 1953 na cidade de Ponta Porã, fundada em 25 de março de 1892. Atualmente possui 95.320 habitantes. ⁵⁸ Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976), foi um médico e político brasileiro, eleito Presidente do Brasil de 1956 a 1960. ⁵⁹ Com a expansão crescente da malha rodoviária atingindo desde regiões distantes às ferrovias como as regiões próximas que se beneficiavam da rapidez das novas e velozes rodovias, depreciavam os serviços de transportes ferroviários. Com a falta de modernização dos trilhos e das locomotivas e vagões já desconfortáveis e lentos grande parte de passageiros buscavam os rápidos e confortáveis transportes rodoviários. O ônus financeiro da RFFSA. Condenava progressivamente as ferrovias. ⁶⁰ FERROVIA NOVOESTE S/A, foi a empresa que arrematou, em 1996, a então FERROVIA MALHA OESTE, antiga ferrovia Noroeste do Brasil. ⁶¹ FERROVIAS BANDEIRANTES S/A foi fundada em 1998, com a união do Fundo de Investimentos Previ do Banco do Brasil, com o banco americano Chase Manhattan. ⁶² FERRONORTE S/A foi uma empresa ferroviária nacional fundada pelo empresário Olacyr Francisco de Moraes. ⁶³ A RUMO LOGÍSTICA OPERADORA MULTIMODAL S/A foi fundada em 2008 pelo GRUPO COSAN S/A. Adquiriu a ALL em 2015 e atualmente concessora da Ferrovia. ESTAÇÕES E TRANSEUNTES: HISTÓRIA E ARQUITETURA NA FORMAÇÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA SUL-MATO-GROSSENSE. 48


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